domingo, 18 de janeiro de 2015

Constituição ou Regionalização?

A Federação Distrital do Porto do Partido Socialista promoveu no passado sábado, dia 17 de janeiro de 2015, um seminário com o tema “Melhor Estado. Mais Democracia”, incluindo depois vários subtemas. O interesse desta iniciativa residiu particularmente no facto de terem sido convidados e terem participado oradores de outros quadrantes políticos. José Silva Peneda, Rui Rio e Paulo Cunha são personalidades bem conhecidas do PSD que fizeram intervenções atentamente escutadas. Entre outros participantes não filiados no PS fez igualmente uma intervenção, com muito interesse, o Presidente da CCDRN, Professor Emídio Gomes. Convidado para intervir, participei também com muito gosto e veria com muito agrado outros partidos fazerem iniciativas igualmente abertas. Mais interessante, ainda, seria que ocorressem colóquios, seminários ou conferências, sobre temas de elevado interesse, organizadas conjuntamente por diversos partidos e igualmente abertas. Por que não? Não cabe aqui reproduzir o que disse na altura mas antes, partindo do que ouvi no seminário, interessa reafirmar algo que julgo que ainda não foi bem compreendido e me parece grave: enquanto se mantiver o atual texto da Constituição, especialmente o seu artigo 256.º, é praticamente impossível fazer a regionalização no nosso país. 
Na verdade, este artigo da Constituição e o artigo 251.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei sobre o Referendo), que lhe dá seguimento, estabeleceram um regime jurídico nos termos do qual basta ficar em casa para derrotar o referendo sobre a regionalização. O leitor não acredita? Acompanhe! O artigo 256.º, n.º 1 da Constituição diz: “A instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior (é a lei do mapa das regiões) e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta de alcance nacional e relativa a cada área regional. O referendo é assim constitucionalmente obrigatório. 
E o artigo 251.º da Lei do Referendo, depois de, no seu n.º 1, dizer naturalmente que é necessário o voto favorável da maioria dos cidadãos para aprovar a instituição das regiões, diz textualmente no seu n.º 2: a resposta afirmativa só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Ou seja, as regiões não podem ser instituídas se não votarem mais de metade dos eleitores. 
Sabendo nós, como sabemos, que todos os referendos nacionais até hoje realizados tiveram uma participação eleitoral inferior a 50% (o que teve maior participação foi o da regionalização com 48% de votantes), então vale a pena ficar em casa para impedir que votem mais de metade dos eleitores. Votar, para quem é contra a regionalização é mesmo um perigo, pois pode ajudar a atingir os 50% dos votantes. Há quem defenda que isto é tão irracional que não pode ser assim e que mesmo votando menos de 50% dos eleitores o referendo pode valer desde que a maioria dos eleitores vote favoravelmente a criação de regiões. Mas isto é opinião de alguma doutrina, não é o que consta claramente da lei e teria assim de ser sempre o Tribunal Constitucional a ter a última palavra já depois de apurados os resultados. Ora, que referendo seria esse em que os eleitores não saberiam ao certo quais as regras do jogo? A solução é, pois, rever a Constituição nesta parte, estabelecendo que a instituição das regiões dependerá de votação de lei na Assembleia da República, havendo depois referendo nos termos normais e não com esta absurda exigência de participação eleitoral. Aliás, o único referendo obrigatório previsto na Constituição é este sobre a regionalização. Os restantes são facultativos e não precisam de 50% de participação para produzirem efeitos. É de notar ainda que a Constituição só tem esta regulação tão rigorosa desde a revisão de 1997. 

in Diário do Minho