sexta-feira, 21 de abril de 2017

Litoral-Interior

Temos o dever de pôr na agenda política o problema da coesão do território português no continente, dando a devida atenção às relações entre o litoral e o interior.

Não podemos aceitar com indiferença que aumente, em vez de diminuir, o desequilíbrio entre o litoral e o interior, nomeadamente a nível demográfico. Não se trata, é claro, de lutar por uma igual densidade populacional no litoral e no interior, trata-se antes de manter, no interior, uma rede de municípios (nomeadamente os atuais) relativamente bem povoados e não em rápido e assustador despovoamento.

Trata-se de algo impossível?

Entendemos  - tendo consciência de que sabemos muito pouco sobre esta matéria e de que há quem sustente a inevitabilidade desse despovoamento – que não é impossível e antes desejável que continuemos a ter a riqueza de ver a parte interior do continente  (e, ao mesmo tempo, a mais próxima do centro da Europa) com tudo o que ela tem de bom em paisagens, monumentos, aldeias, vilas, cidades e infraestruturas da mais variada natureza,   devidamente povoada, sendo que é a população o que ela tem de mais valioso.    
Torna-se claro que a luta pelo desenvolvimento do interior tem de ser obra dos nela residentes.  Não serão os habitantes do litoral, mesmo os que de lá são provenientes, que poderão ter um papel decisivo nesse domínio.

Temos dificuldade em compreender que não haja hoje (ou pelo menos que não tenha a devida visibilidade) uma associação dos municípios do interior, cobrindo o país de norte a sul. Não se trataria de uma associação imposta, mas de uma associação dos municípios que nela entendessem participar.

Mas entendemos também que esse objetivo não pode ser alcançado apenas com o esforço de quem lá reside.  Importa uma aliança litoral-interior que é do interesse de todos os portugueses. E importa, sobretudo, a formulação de uma política pública nacional bem pensada e bem divulgada. Porventura, ela existe, mas não é conhecida e sustentada.

A luta pelo interior não pode ser uma luta intermitente, com altos e baixos. Tem de ser um objetivo nacional assumido pela grande maioria dos portugueses. Importa dar passos nesse sentido. Tentaremos percorrer caminho e procurar outros caminhantes.


PS – Qual é mais importante? Ocupar as noites das televisões informativas com doses sucessivas de futebol ou com problemas como este?  


in Diário do Minho

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Novas Revistas sobre o Poder Local

A partir de 2017 Braga passa a publicar três revistas trimestrais sobre as autarquias locais, que são propriedade da AEDREL (Associação de Estudos de Direito Regional e Local), instituição particular sem fins lucrativos, que o município de Braga tem apoiado com a cedência de instalações para a sua sede no centro histórico da cidade.
Até ao início deste ano publicava-se a Revista Questões Atuais de Direito Local que entrou no quarto ano de publicação e que se encontra já consolidada, tendo assinantes em todo o continente e ilhas.
A partir deste ano surgem mais duas revistas que vêm preencher lacunas no largo âmbito do poder local democrático.
 

Uma é dedicada às assembleias municipais, esse órgão que é uma espécie de parlamento local e que tem o poder de tomar as principais deliberações do município e ainda o poder de fiscalizar a ação da Câmara Municipal. A Constituição atribui-lhes mesmo, desde 1997, o poder de destituir a Câmara Municipal aprovando uma moção de censura, mas esse poder está dependente de uma lei que ainda não foi publicada. Está em distribuição, por todas as 308 assembleias municipais do nosso país, um questionário com a finalidade de apurar a atual organização e funcionamento das mesmas e dos resultados dará conta a revista em próximos números. As assembleias municipais precisam de toda a atenção e valorização e é disso que pretende cuidar a REVISTA DAS ASSEMBLEIAS MUNICIPAIS.
A outra revista é dedicada às freguesias. Também esta entidade merece uma publicação periódica a ela dedicada para ajudar a cumprir cada vez melhor o importante papel que lhe cabe na organização político-administrativa do nosso país. Muitos assuntos a ela respeitantes podem e devem ser tratados e disso cuidará a REVISTA DAS FREGUESIAS.
 

Estas publicações só são possíveis porque temos na região um conjunto de qualificados especialistas do poder local e porque existe uma colaboração estreita com universidades de todo o país e também de Espanha e do Brasil. Aliás, espera-se alargar a internacionalização da atividade da AEDREL.
A democracia de um país não é um dado adquirido, mas antes algo que se tem de consolidar permanentemente e que precisa de bases sólidas. Ao ver-se como funciona, num determinado Estado, a democracia ao nível local (na base), ver-se-á a qualidade da democracia a nível nacional.
 

PS – Acaba de sair um livro com o título “A Freguesia como Divisão Administrativa em Portugal – Breve Retrospectiva Histórico-Jurídica” que vivamente recomendo. É da autoria do Mestre em Direito Diogo Dias Ferreira e uma edição da Delegação Distrital da Guarda da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias).
Novas Revistas sobre o Poder Local antónio cândido de oliveira A democracia de um país não é um dado adquirido, mas antes algo que se tem de consolidar permanentemente e que precisa de bases sólidas.


in Diário do Minho

quarta-feira, 5 de abril de 2017

As candidaturas de falsos independentes

Durante mais de metade dos 40 anos da nossa democracia local, iniciada com as eleições de 12 de dezembro de 1976, só os partidos podiam apresentar candidaturas às eleições municipais. A abertura a candidaturas de cidadãos eleitores aos municípios teve início nas eleições de 2001, depois da revisão constitucional de 1997. Até então, apenas eram permitidas tais candidaturas aos órgãos das freguesias.

A ideia subjacente à aceitação de candidaturas de independentes foi a de alargar a participação eleitoral a cidadãos que, sem militância partidária, pretendessem participar nos atos eleitorais locais, pondo fim ao monopólio dos partidos. A ideia era boa e a sua consagração na Constituição e na lei recebeu aplauso praticamente geral.

O que, porventura, não se previu foi um efeito colateral desta abertura que consistiu no aparecimento de candidaturas não de independentes, mas de militantes que não conseguiram o apoio do partido a que estavam ligados.

Assim, o militante que entrasse em conflito com o seu partido passou a poder encabeçar uma candidatura dita independente (“de cidadãos eleitores”) para o que juntava outros militantes e, por arrasto, também um número maior ou menor de independentes, em lugares mais ou menos secundários. Pouco lhe importava que o seu partido apresentasse outra lista. Lutaria contra ela!

Porque estas listas são independentes apenas porque não puderam ser partidárias podemos dizer que são candidaturas de falsos independentes. Aliás, frequentemente os candidatos dessas listas aproveitam a oportunidade de voltar a candidatar-se pelo partido a que estavam ligados quando as circunstâncias tal permitem. O êxito da sua candidatura e um comportamento político não hostil ao partido a nível nacional torna muito viável o regresso.

Estamos convencidos de que, se esta situação fosse devidamente prevista e se respeitasse a intenção da lei, esta dificultaria uma independência de última hora e impediria a candidatura, como independentes, de cidadãos que estivessem inscritos em partidos até pelo menos dois anos antes das eleições. Colocamos o prazo de dois anos e não de um para impedir que, a cerca de um ano das eleições locais, a pressão sobre os partidos por parte dos militantes inseguros fosse muito forte e servisse de chantagem, mas o período de um ano não repugnaria também.

Acrescente-se que essa lei, pelas mesmas razões, deveria também impedir a candidatura de um militante por outro partido nas mesmas circunstâncias, ou seja, o cidadão inscrito num partido não poderia concorrer por outro partido se não se tivesse desfiliado há dois anos (pelo menos um). Evitar-se-ia a corrida aos pequenos partidos pelas más razões, situação que se verificava antes de 2001.

Dito isto, estamos cientes de que a vida partidária local está longe de ser exemplar e que as escolhas dos partidos nem sempre parecem ser as mais razoáveis para quem observa . Mas, quando tal sucede, o problema deve ser resolvido internamente, pondo o partido a funcionar devidamente e não utilizando um instrumento que, claramente, não foi feito para resolver problemas internos de partidos. Sobre o funcionamento interno dos partidos muito haveria, aliás, para dizer.

Constituiu-se em 2010 uma Associação dos Movimentos Autárquicos Independentes. É uma associação democrática que bem se compreende porque existem problemas que importa resolver e não são poucos. Salientamos, desde logo, a inaceitável proibição da utilização de um símbolo caraterizador da lista (desde que não confundível com partidos) e a luta por uma diminuição do número de assinaturas necessárias para a apresentação de listas para a câmara e para a assembleia municipal que, actualmente é claramente excessivo.

Quer as candidaturas de partidos, quer de independentes são desejáveis, desde que genuínas. 


in Jornal PÚBLICO