quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Não vivemos tempos normais

 Não vivemos tempos normais. Em tempos normais, escreveria sobre as eleições locais gerais que estão aí a menos de um mês (12.10.2025). Porém, os tempos que estamos a viver não são normais e exigem que estejamos atentos ao que se está a passar no mundo à nossa volta. A referência a essas eleições locais fica apenas para uma espécie de nota de rodapé deste texto.

Devemos começar pelos Estados Unidos da América que até há pouco tempo, tinha presidentes que respeitavam a Constituição com as suas instituições democráticas  e respeitavam  nomeadamente os tribunais. Agora não. À frente dos Estados Unidos da América  está alguém que não é uma pessoa em que se possa confiar. Quão longe está este homem de qualquer presidente da república dos Estados Unidos,  republicano ou democrata,  que conhecemos desde 1945!  E é um joguete nas mãos do senhor da Rússia.

E eis outro perigo mundial. O ditador da Rússia, a pretexto de exercícios militares, invadiu a Ucrânia e trouxe para a Europa uma guerra que não esperávamos,  que já dura há mais de três anos e sem fim previsível.

Mas não basta. Temos a China, uma ditadura com um poderio militar e económico enorme, que vai emergindo para se tornar a maior potência mundial e quando  essa potência é uma ditadura férrea tudo temos a temer.

Deixamos para o fim verificar o que pode fazer de mal um pequeno país como Israel, que dizem ser uma democracia, esquecendo que uma democracia não mata indiscriminadamente mulheres e crianças, não utiliza  quaisquer meios para atingir os fins que pretende. Como é possível estar a suceder na terra onde Jesus Cristo nasceu o que vemos todos os dias nas televisões e lemos nos jornais?  Não estamos sequer a viver os tempos do Antigo Testamento em que a violência e a vingança tinham lugar, estamos muito para trás para tempos de bárbaros. Barbárie que reina em muitas outras partes do mundo e a que quase não damos atenção.

No meio disto que fazer? O que pode cada um de nós fazer? Lutar e resistir. Não ir por aí, mesmo que esteja em curso a III Guerra Mundical de que o Papa Francisco frequentemente  falava, mas que poucos levávamos a sério.

Diz-se que hoje não há perigo de Guerra Mundial , porque dadas as armas nucleares que as grandes potências possuem com poder destrutivo de toda a humanidade nenhuma delas  se atreve a avançar com elas.  Ninguém ganharia.

Mas isso é confiar na racionalidade dos governantes das grandes potências  e essa confiança não é de nenhum modo segura. Em desespero e estando a perder a guerra, qual delas  pouparia o seu arsenal nuclear?

Neste momento já é bom lutarmos pelo adiamento dessa guerra, esperando por melhores tempos. E por estranho que pareça podemos lutar pela Paz, participando nas eleições locais que se aproximam, dando apoio a quem nas nossas freguesias, nos nossos municípios demonstra rejeitar o terror (qualquer tipo de terror), a violência, o ódio e a Guerra. Importa conhecer bem o pensamento e a acção de quem pretende ser eleito.

(DM-18-9-2025)

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

As assembleias municipais : parlamentos locais débeis

         O jornal Expresso na recente edição de 29 de Agosto de 2025 e no seu caderno principal dá largo relevo a um estudo efectuado pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDREL),  instituição privada sem fins lucrativos e de utilidade pública, com sede em Braga,  sobre a organização e funcionamento das assembleias municipais do nosso país.

Foram inquiridas e responderam as 308 assembleias municipais do nosso país e o estudo está na fase final de conclusão para ser publicado e apresentado durante o presente mês de Setembro.

A jornalista Cláudia M. Almeida fez um bom trabalho e o jornal por critérios editoriais próprios, deu especial relevo aos problemas da paridade com uma baixa participação de mulheres na composição deste órgão (31,1% ) e da idade dos membros, indicando que o número de membros das assembleias municipais com idade inferior a 35 anos é inferior a 10%.

São dados importantes seguramente, mas também  importantes são outros dados que o estudo procura abordar e que merecem ser destacados, compreendendo-se que não houvesse espaço para o fazer na peça jornalística do Expresso.

As assembleias municipais são na sua essência parlamentos locais com a missão não só de aprovar as deliberações de maior relevo para o município, desde logo o orçamento, mas também de fiscalizar a acção da câmara municipal, podendo votar moções de censura à mesma.

Ora, para bem desempenhar estas duas importantes funções é fundamental que as assembleias tenham membros politicamente qualificados, independentemente do sexo e da idade.

A qualificação política não exige necessariamente títulos académicos ou outros. Ela manifesta-se no bom conhecimento dos assuntos do município respectivo, no debate dos mesmos e nas deliberações fundamentadas subsequentes.

Para que assim suceda os candidatos das diversas listas devem ter conhecimento desses assuntos ou vontade de os bem conhecer e devem provir sempre que possível de várias áreas do saber.

Por sua vez, os eleitos devem estar, em regra, integrados em grupos municipais, com instalações adequadas e próprias e dispondo de pessoal da sua confiança durante o tempo de  exercício do seu mandato. Tenha-se em conta que os membros das assembleias municipais não exercem funções a tempo inteiro e não dispõem, por isso, de tempo para obter a informação de que precisam para intervir nas reuniões. O pessoal de apoio, em número que depende da dimensão do município e de cada grupo municipal, ajuda a resolver esse problema.

As assembleias, por sua vez, não reunem apenas em plenário através de sessões ordinárias e extraordinárias. Podem e devem reunir em comissões permanentes sectoriais que devem ser constituídas no início do mandato para os domínios de maior responsabilidade do município como sejam, desde logo,  o urbanismo e as finanças. É função destas comissões apreciar os assuntos a submeter a plenário, estudando-os e fazendo relatório o que muito ajudará a enriquecer o debate em plenário.

Sem estes dois meios:  grupos municipais apoiados e comissões sectoriais a assembleia dificilmente poderá cumprir devidamente a sua missão, mesmo tendo membros qualificados.

As assembleias municipais devem, por outro lado, prestar contas da sua actividade fazendo um autocontrolo através de um  relatório  anual detalhado, inclusive do ponto de vista financeiro, que deverá ser publicado e apreciado numa reunião plenária da assembleia.

Dir-se-á que em Portugal não há lei que tal permita expressamente, como sucede na vizinha Espanha,  mas a verdade é que também não proíbe e antes dá abertura para essa permissão no artigo 31.º, n.º 3, parte final,  da Lei n.º 75/2013 e há uma assembleia onde tudo isto ocorre  que é a de Lisboa, sendo a lei das autarquias igual para todas as assembleias do país. 

Uma última nota para dizer que uma assembleia municipal que se preze não deixará de lutar isoladamente e em grupo para que as moções de censura à Câmara municipal, que apresentem e aprovem, tenham o efeito que a Constituição determina no seu artigo 239.º n.º 3, parte final, que é a destituição do órgão executivo. Há mais de 25 anos que se espera pela lei que regule essa destituição e a não aprovação dessa lei evidencia a debilidade do poder das assembleias municipais, apesar de muitas delas  terem deputados da Assembleia da República.

(DM-4-9-25)

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A instrumentalização das eleições locais de 2025


Se bem repararmos, o debate público sobre as eleições locais gerais de 2025 centra-se fundamentalmente sobre o significado nacional destas eleições. Tenta-   -se saber quem as vai ganhar e que resultados vão obter os restantes partidos e  movimentos de independentes.

É seguramente bem pobre um debate que faz destas eleições um jogo de vencedores e vencidos a nível nacional, quando o importante  é saber o que têm as diversas forças políticas concorrentes para oferecer,  tendo em vista o bom governo dos respectivos municípios e freguesias.

Centremo-nos, pela sua particular importância - e pelo espaço de um artigo - nas eleições municipais. O bom governo municipal não exige só uma boa presidência de câmara. É do maior interesse a equipa de vereadores/as  e o  programa da lista. Ora, quais os partidos ou forças políticas que, para além das fotos do/a presidente, profusamente distribuídas demonstram apresentar uma equipa de vereadores  e um programa bem elaborados e com divulgação  em local próprio de fácil acesso?

Esse local próprio deveria ser, para a grande maioria dos concelhos (pelo menos os de mais de 10.000 eleitores), uma página web, contendo informação detalhada sobre as listas, o programa e as actividades realizadas e programadas. Seria uma excelente fonte de propaganda e de aproximação aos eleitores, completada com remissões para as redes sociais e destas para a página web.

Repare-se que uma página web  simples é barata e fácil de actualizar e só a incúria, nomeadamente dos principais partidos, pode justificar a sua ausência, recorrendo ao facilitismo do “facebook” e outras redes sociais , como resulta de uma rápida  pesquisa na net. Aliás, essa página web poderia e deveria manter-se permanentemente dedicada ao acompanhamento do governo do município durante o mandato, constituindo uma espécie de sede digital da força política em causa.

Acresce que o bom governo dos municípios exige  assembleias municipais devidamente organizadas, com membros interessados pelos problemas do município, com grupos municipais devidamente estruturados e instalações próprias e acompanhados de apoio de pessoal e  de apoio financeiro. Exige também  comissões permanentes sectoriais, desde logo de urbanismo e  de finanças, para preparar os assuntos a debater em plenário.  Que pensam fazer as listas concorrentes para tornar as assembleias municipais verdadeiros parlamentos locais, como devem ser? Têm consciência de que, em média, as assembleias municipais pesam apenas  cerca  de 0,1% da despesa anual do município?

Ainda no que respeita às a assembleias municipais quando se concretizará, legislativamente, o preceito constitucional que, desde 1997, ordena que a aprovação de uma moção de censura pela assembleia tenha como efeito a destituição da câmara municipal?

E o que pensam fazer as listas para qualificar o pessoal ao serviço do município, especialmente ao nível dos quadros superiores, tendo em conta a enorme responsabilidade que lhes cabe?  Como pode funcionar bem um município sem bons quadros técnicos?

Deixamos para o fim o debate sobre o nosso singular sistema de governo municipal. O sistema da eleição directa dos dois órgãos colegiais ( câmara e assembleia) pelo método d’Hondt tem funcionado, em geral,  relativamente bem, mas apenas pelo facto de o nosso sistema de partidos se ter mantido até há pouco tempo  largamente bipartidário com vitórias absolutas de um dos grandes partidos nacionais. Agora, com a bem previsível fragmentação partidária, parece aconselhável um sistema semelhante aos das freguesias ou uma adaptação do atualmente existente. É um bom tema para debate se queremos fazer das eleições locais um tempo da maior importância para a democracia e não uma mera sondagem de âmbito nacional.

(Público, 3-9-25