A discussão sobre descentralização no nosso país já chegou ao ponto de
considerar que a descentralização é uma coisa e a regionalização é
outra. Quando se chega aqui, a confusão está instalada e os resultados
não podem ser bons.
Importa desfazer a confusão. A centralização é um sistema de governo
que coloca nas mãos do Estado (mais precisamente no Governo da
República e na Administração Pública estadual) as tarefas que são
próprias da administração pública, mesmo que elas sejam de âmbito
predominantemente regional ou local. Descentralização, pelo contrário, é
um sistema de governo em que o Estado abre mão de matérias que está a
gerir a favor de entidades que, a nível regional ou local, as passam a
exercer com autonomia.
A pedra-de-toque da descentralização está na autonomia do exercício
de atribuições e competências por entes territoriais diferentes do
Estado e da máquina administrativa dele dependente. A nossa Constituição
é muito clara neste ponto ao estabelecer que, no continente, temos
freguesias, municípios e regiões administrativas dotadas de órgãos
eleitos e ao estabelecer, nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, a
existência de regiões autónomas, de municípios e de freguesias. Três
níveis territoriais de Administração Pública, portanto.
Se a Constituição fosse cumprida (e parece que poucos se importam
com o cumprimento da Constituição), a discussão sobre a descentralização
seria outra e estaríamos a debater, no continente, o que deveria caber
às freguesias, aos municípios e às regiões administrativas. Note-se que,
não por acaso, o debate que está em curso não envolve as regiões
autónomas.
E só não é assim, porque a Constituição provoca ela mesmo a
confusão, pois apesar de decretar teoricamente a descentralização coloca
travões (e que travões!) à sua concretização a nível regional e de tal
modo que pode invocar-se a Constituição para defender a descentralização
e para a combater...
Os que em Portugal defendem a centralização - e não são poucos -
estão tranquilos. Enquanto se discute a descentralização para os
municípios, freguesias e para essas entidades débeis chamadas entidades
intermunicipais, esquecem-se as regiões administrativas e a
centralização mantém-se.
Por seu lado, os que defendem a descentralização dividem-se, para
grande satisfação dos adversários. Uns entendem que, mesmo sem
regionalização, se deve avançar e obter o máximo de tarefas que são hoje
do Estado. Outros entendem que devem fazer-se as coisas como devem ser
feitas, não omitindo nenhum nível territorial.
Importa, a nosso ver, colocar a discussão no lugar próprio, o que
passa por manter nas mãos do Estado (Governo) as tarefas que, por
exigirem exercício a nível nacional, nele devem ser mantidas, mas passa
também por delimitar mais bem exercidas a nível regional e cuidar de as
colocar no âmbito regional e entregar aos municípios e às freguesias as
que estas entidades locais estão em condições de bem exercer, de acordo
com os princípios constitucionais da autonomia, da descentralização e da
subsidiariedade. Perder esta orientação é perder o norte.
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público de 30-1-2019)
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
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