domingo, 27 de novembro de 2022

As freguesias em debate na AJB

A Associação Jurídica de Braga (AJB) é uma centenária instituição privada de interesse público fundada em 1835 e restaurada em 1953, tendo desde então uma actividade muito meritória e ininterrupta. Tem atualmente como presidente honorário o Dr. Óscar Ferreira Gomes e como presidente da direcção o Dr. José António Estelita de Mendonça (www.ajb.pt) numa composição renovada que incluiria certamente um dos seus sócios mais activos e qualificados o Dr. João Lobo se não tivesse ocorrido o seu desaparecimento prematuro e inesperado.

É marca da AJB a realização de sessões de estudo sobre os mais diversos temas de Direito. A próxima decorrerá no dia 29 de novembro (3ª feira), ao fim da tarde, de forma presencial e via zoom, abordando uma lei muito atípica e que está na ordem do dia.

Trata-se da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que, nos termos do seu artigo 1.º, tem por objecto a criação, modificação e extinção de freguesias, mas que no seu texto apenas regula a criação de freguesias.

Acresce ainda que não é de verdadeira criação de freguesias que a lei cuida a curto prazo, pois, depois da reforma de 2013, a criação de novas freguesias não está na agenda, mas antes a reposição de freguesias extintas nessa data. Aliás, a lei dedica a essa reposição um artigo em especial o muito discutido artigo 25.º que tem um prazo de validade limitado (até 21-12-2022).

Não ficam por aqui as perplexidades que esta lei levanta, pois ao mesmo tempo que supre uma inconstitucionalidade, pois a Assembleia da República não regulava esta matéria, desde 2013, veio retirar poderes a este órgão de soberania contra a expressa vontade da Constituição (CRP).

Na verdade, a Assembleia da República (AR) tem competência exclusiva, sob a forma de reserva absoluta, para legislar, no continente, sobre criação extinção e modificação de freguesias e respectivo regime jurídico (artigo 164.º al.n) da CRP). Ora, a Lei n.º 39/2021 não respeita a Constituição e não permite, por exemplo, que a AR elabore uma proposta de criação de uma freguesia, cabendo à freguesia de origem dar o primeiro e indispensável passo para a criação ou reposição de uma freguesia.

Isto significa que a partir de agora uma freguesia só pode surgir se a freguesia de origem (seja ela uma união de freguesias ou uma freguesia que escapou à reforma) estiver de acordo. Assim, como é fácil de concluir, uma freguesia extinta em 2013 que queira ser reposta ou uma comunidade local que se queira tornar uma freguesia tem a vida muito dificultada, pois quem manda, em primeiro e decisivo lugar, não é a Assembleia da República, mas a freguesia ou freguesias de origem!

É deste e doutros assuntos conexos que tratará a sessão do dia 29, que terá em especial atenção a situação das freguesias do quadrilátero constituído pelos municípios de Barcelos, Braga, Guimarães e Famalicão, sendo possível desde já adiantar que não é de temer o renascimento de freguesias em catadupa não só porque não é desejável, mas também porque a lei não o permite.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 27-11-2022)

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

“Eu adoro a democracia, mas odeio os partidos”

O título “Eu adoro a democracia, mas odeio os partidos” é retirado de uma entrevista do professor Daniel Bessa dada ao semanário “Alto Minho”, em 12 de outubro de 2022, mas não o subscrevo.

Compreendo-o, mas não concebo uma democracia sem partidos. Partidos são correntes de opinião e os cidadãos não têm todos a mesma opinião. Uns alinham mais à esquerda e outros mais à direita. Não cabe aqui definir com suficiente detalhe o que é direita e esquerda, mas nós sabemos frequentemente identificar o pensamento político de esquerda mais ligado à igualdade e distribuição de bens e o pensamento político de direita, mais ligado a liberdade e à produção. Estas correntes de opinião quando não são extremistas têm ambas de comum o apreço pela liberdade e pela justiça social e Portugal é um bom exemplo disso.

Repare-se que correntes de opinião há mesmo em ditadura e quem é mais velho lembra-se que o regime de Salazar, que precisava para se manter de uma polícia política (PIDE) e de censurar os jornais, odiava os partidos e estes mesmo assim existiam, ainda que sem tal nome. Os que defendiam o regime agregavam-se à volta da “União Nacional” que era o partido de Salazar, sem o dizer (mais tarde mudou de nome com Marcello Caetano, mas a substância era a mesma) e os que a ele se opunham constituíam a oposição, lutando com as dificuldades próprias da falta de liberdade e com a perseguição que lhe era movida.

Em democracia, as correntes de opinião podem exprimir-se com liberdade e os partidos surgem naturalmente. Em Portugal temos, há quase cinquenta anos, dois grandes partidos que se tem alternado no poder o PS e o PSD um situado mais à esquerda outro mais à direita, mas que têm de comum o respeito pelos resultados eleitorais, a defesa da liberdade e a procura da justiça social. Eles congregam, em regra, mais de dois terços do voto dos portugueses (neste momento 4/5 dos deputados) e dizem-nos que os portugueses rejeitam extremos quer à esquerda, quer à direita.

No entanto, há um grande problema que é preciso enfrentar - e aqui aproximamo-nos de Daniel Bessa- que é o da sua organização e funcionamento. Os nossos dois principais partidos - e os restantes não são diferentes - estão longe de serem o que deveriam ser: exemplo de democracia.

Quando observamos o PS e o PSD, nomeadamente a nível local, ficamos desolados. Eles em regra não têm desde logo nos municípios uma página web simples e barata, mas bem organizada e atualizada, dizendo quem era quem, como estavam organizados e qual a sua actividade. Deveriam também, quando têm eleições internas ser exemplo de democracia e sabemos que frequentemente tal não sucede. Deveriam ainda preocupar-se com a abertura à sociedade e aumentar o número dos seus militantes e simpatizantes e não fecharem-se numa concha, mais parecendo ditaduras do que democracias.

Por isso, não odeio os partidos, mas critico-os duramente porque não são exemplo de democracia na sua organização e funcionamento, pondo em risco a prazo o regime democrático. 

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 11-11-2022)

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Freguesias Civis e Paróquias Religiosas

Está por fazer a história das paróquias religiosas e das freguesias civis ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, com prejuízo para o bom entendimento do que deve entender-se por uma freguesia hoje.

Importa dizer a este propósito que as freguesias que chegaram aos nossos dias tiveram origem nas paróquias religiosas e quase se pode falar de um acompanhamento estreito entre umas e outras. Esse acompanhamento resultou do facto de por ocasião da implantação do liberalismo em 1820 existirem cerca de 4.000 paróquias religiosas que passado um período muito conturbado de cerca de 15 anos foram integradas na organização administrativa portuguesa pelo Código Administrativo de Passos Manuel de 1836 com o nome de freguesias (artigo 1.º).

Na verdade, as freguesias não foram inventadas pelo Código Administrativo de 1836. Este aproveitou as paróquias religiosas que tinham também o nome de freguesias e seguindo uma lei de 1830 considerou que era bom que houvesse em cada uma das paróquias uma junta de natureza civil da confiança da respectiva população e assim por esta eleita.

É verdade que este Código previa no seu artigo 3.º que o número de freguesias e a sua extensão seria “oportunamente e convenientemente regulado em relação à comodidade dos povos”, mas apenas houve uma tentativa feita por uma lei de 1867 de reduzir, no continente, o número de freguesias para 1026, com o nome de paróquias civis, permanecendo na órbita religiosa 3801 paróquias eclesiásticas. Esta reforma, que reduzia também o número de municípios para 159 (eram 263 no continente) não foi avante por virtude da Revolta da Janeirinha.

Falhada esta reforma o que de mais relevante aconteceu para as freguesias foi a sua afirmação como elemento da nossa organização administrativa através do Código Administrativo de 1878 subscrito pelo minhoto Rodrigues Sampaio que não alterou significativamente o número de concelhos e paróquias , assim se mantendo uns e outros até à reforma de 2013, atravessando mesmo a passagem da Monarquia para a República, apesar da separação entre o Estado e a Igreja..

O que a República fez, em 1913, data da primeira lei que publicou sobre a organização da administração local foi, mantendo os concelhos e as paróquias, acrescentar apenas o adjectivo “civil” às paróquias, mantendo curiosamente o nome de “junta de paróquia” para o respectivo órgão, como era tradição. E só em 1916, por nova lei aboliu, o nome de “paróquia civil”, passando a adoptar o nome de freguesia, e passando a denominar “junta de freguesia” a “junta de paróquia”. Mudança de nomes, não de substância, pois, neste domínio.

O modelo nosso de freguesia tem sido sempre o da paróquia religiosa, nem muito grande, nem muito pequena, cumprindo tarefas sem grande complexidade técnica e muito próxima das populações.

A única reforma significativa das freguesias foi a de 2013 (Miguel Relvas), diminuindo o número de freguesias do continente de 4.050 para 2.882. Será que esta reforma de 2013 quis fazer uma reforma profunda das freguesias, deixando de ter como modelo as freguesias religiosas? A nosso ver, não. O que a reforma de 2013 pretendeu foi tornar mais fortes as freguesias, extinguindo as que não eram viáveis, mas de nenhum modo fazer das freguesias pequenos municípios quer pela extensão territorial, quer pela população, quer pelas competências. Por isso, tem sentido corrigir hoje os erros dessa reforma feita de modo muito apressado.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 04-11-2022)