sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Freguesias: os erros de 2013 e de 2021

As freguesias, como entes de proximidade, os únicos entes territoriais de que se pode falar de vizinhança, fazem falta para uma boa administração, a nível local, do nosso país. Elas não devem ter uma dimensão tão grande que se possam confundir com municípios, nem tão pequena que as impeça de exercer devidamente as tarefas que lhes cabem.

Em 2013, através da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, cometeu-se um erro manifesto para reformar territorialmente as nossas freguesias. Aceitou-se que o número delas era excessivo e para corrigir o excesso optou-se por reduzir obrigatoriamente o número de freguesias em todos os municípios do país de acordo com um critério percentual, importando pouco que o município tivesse 50 ou 5 freguesias. O critério era tão absurdo que o legislador teve de parar a sua aplicação obrigatória quando chegou aos concelhos com 4 freguesias ou menos. Ignorou-se, então, a realidade do país que tinha, antes da reforma de 2013, mais de 50% dos seus municípios com 10 freguesias ou menos e 80% com 20 ou menos. Ora, tendo em conta que os nossos municípios têm, em média, uma área de cerca de 300 Km2 (a mediana é de 217 Km) para quê reduzir, desde logo, o número de freguesias nesses concelhos, salvo aquelas demasiado pequenas?

O critério deveria ter sido outro e poderia reduzir-se, em regra, o número de freguesias onde a população respectiva fosse diminuta, havendo, então, mais de 800 com menos de 300 habitantes. Poderia argumentar-se que isso não satisfaria a “troika” que exigia uma “significativa” redução do número de freguesias e municípios, mas todos sabemos que para a “troika” as freguesias não eram um problema financeiro e facilmente teria sido convencida disso e da especial utilidade delas, nomeadamente no interior do país, nas negociações que decorreram durante a intervenção financeira. Aliás, o número de municípios não sofreu qualquer alteração.

Em 2021, o erro da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que regula a criação de freguesias não está na definição do conceito de freguesia, pois os requisitos que nela se estabelecem para essa criação, que será, em regra, uma mera reposição de freguesias extintas em 2013, são, em geral, razoáveis. O erro está no procedimento de reposição. A lei prevê um procedimento geral de reposição e um procedimento “especial, simplificado e transitório” para casos que considera “erro manifesto e excepcional” (artigo 25.º) da reforma, mas que de simples e claro nada têm. É necessário estabelecer um procedimento único realmente simples e desburocratizado para aqueles casos em que a união foi, na verdade, um erro, ora porque se criaram megafreguesias, ora porque se extinguiram freguesias perfeitamente viáveis, desprezando a vontade destas.

A Lei n.º 39/2021 vai ser revista e cabe acompanhar essa revisão para termos uma lei que permita a formação de um mapa territorial das freguesias no continente e nas regiões autónomas de acordo com o que devem ser as freguesias, ou seja, autarquias locais inframunicipais próximas dos cidadãos.

(Artigo de opinião publicado no Expresso, de 21-10-2022)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Freguesias: casamentos forçados, divórcios difíceis

Em 2013, centenas de freguesias foram obrigadas por lei a "casar-se", dando-se a esse casamento o nome de "união". União a dois, união a três, a quatro e até mais, conforme a vontade do poligâmico legislador. Em certos casos, esses casamentos resultaram e, se assim sucedeu, nada temos a opor, pois há casamentos forçados que resultam!

Mas outros casamentos forçados existem que não resultam e os ”cônjuges” querem separar-se, pois têm condições legais para tal. Não é, no entanto, tarefa fácil, pois foi publicada uma lei, a Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho, que veio dificultar muito esses "divórcios" a que também podemos chamar "separações".

A lei dificulta a separação, mesmo que as “freguesias cônjuges” estejam de acordo. Obriga-as a formalidades de separação que não impôs para o casamento. Bem podem ter, as freguesias que pretendem separar-se, os requisitos substanciais que a lei-quadro exige para viverem com autonomia, pois mesmo assim têm de ter a bênção, sob a forma de aprovação, da assembleia de freguesia e da assembleia municipal onde estão integradas.

O pior sucede, no entanto, quando as freguesias casadas não se entenderem quanto à separação desejada por alguma ou algumas delas e, ainda mais, quando uma maior do que outra ou outras, porque possui maior número de membros na assembleia, não estiver de acordo e “não der o divórcio”, como se dizia antigamente. Bem podem a freguesia ou freguesias que se querem separar ter muita população, podem ter riqueza e autonomia, podem, em suma, ter os requisitos que a própria lei-quadro exige para poderem ser uma freguesia, umas vezes até por excesso, outras vezes quase no limite, que, mesmo assim, se a freguesia maior se opuser, o divórcio - a separação - não ocorre.

Precisamos, pois, de rever a Lei n.º 39/2021, de modo a que se tenha presente que a autonomia das autarquias locais e, assim, das freguesias é um direito constitucional, desde que a freguesia ou freguesias pretendentes reúnam os requisitos substanciais exigidos pela lei-quadro, devendo estes ser razoáveis. E em tudo isto quem manda, quem tem a última palavra, é a Assembleia da República, dotada de reserva absoluta de competência legislativa nesta matéria e não a assembleia da união de freguesias, nem a assembleia municipal de origem. Estas podem e devem ser atentamente consultadas, mas não podem ter o direito de veto como agora possuem.

A revisão da lei deve ser, desde já, iniciada e devidamente publicitada, discutida e acompanhada pelos cidadãos, com base numa proposta ou projecto de lei. De que estão à espera o Governo e os Deputados da Assembleia da República? O tempo urge!

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 20-10-2022)

Os direitos dos munícipes

O poder local democrático, ou melhor, a democracia local fará 50 anos em Portugal dentro de quatro anos (1976-2026). Tem poucos anos, pois, para cumprir plenamente o que anunciou e anuncia: o poder dos munícipes. Limitamo-nos aos munícipes, pois é nos municípios que está o centro da democracia local, sem prejuízo de poder ser adaptado, em grande medida, às freguesias o que de seguida escreveremos.

E que poder é esse? É o poder de governar o seu município. Sim, o poder de direta ou indiretamente, gerir os destinos do seu município. Diretamente através de referendos locais, indiretamente através de representantes eleitos.

É este último poder que custa mais a compreender por parte dos eleitos e eleitores. Estes julgam que uma vez exercido o poder de eleger os órgãos dos municípios de quatro em quatro anos passam à situação de súbditos até novas eleições. Mas não é assim. Eles apenas mandataram os eleitos, seus representantes para gerir o município em seu nome e com o dever nomeadamente de prestar contas perante eles, sempre que estes (munícipes) o exigirem.

Não, não se trata de pedir. Trata-se de exigir, pois é um dos direitos que têm e que não perderam. Pode ter-lhes sido sonegado, podem até ignorar que não têm esse direito, mas ele existe e pode e deve ser exercido.

E em que consiste? Consiste, desde logo, no direito de serem informados com detalhe sobre tudo o que diga respeito ao seu município e à forma como está a ser gerido pelos órgãos representativos.

Este direito dos munícipes é muito amplo. Não há assunto que queira saber sobre a gestão do seu município que os órgãos representativos possam recusar-se a informar.

Cingimo-nos a informações de interesse geral e não às de interesse particular, pois estas estão mais reguladas nomeadamente através de diplomas como o Código de Procedimento Administrativo ou a legislação do urbanismo.

Estamos a ter em consideração coisas tão simples como quanto gastou o município numa festa ou numa iniciativa que tomou; quanto gastou em publicidade; porque urbanizou ou não urbanizou uma determinada área do município; porque contratou ou não contratou determinadas pessoas para os serviços; porque fez ou não fez certo contrato e em que condições. Todas as deliberações dos eleitos podem e devem ser escrutinadas. Sobre todos esses assuntos o municípe tem o direito e perguntar e obter resposta clara e completa. E se não obtiver as informações desejadas? 

(Artigo de opinião publicado no Diário de Minho, de 20-10-2022)

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Freguesias: o medo infundado da reversão da reforma de 2013

Ao que parece há quem tenha medo de que a reforma territorial de 2013 que reduziu o número de freguesias de 4259 para 3091 (menos 1168), fique sem efeito porque as freguesias que então foram unidas, quase todas à força, queiram separar-se ao abrigo de uma lei-quadro que a Constituição acabou de publicar como tinha obrigação e já com grande atraso.

Não há que ter medo que tal aconteça, pois centenas de freguesias que foram unidas assim se manterão, porque a lei-quadro recentemente publicada (Lei n.º 39/2021, de 24 de junho) não permite que freguesias demasiado pequenas voltem a ressuscitar, por não reunirem as condições mínimas para desempenhar convenientemente as suas funções.

A Lei n.º 39/2021 exige, pelo menos, 250 eleitores nos territórios do interior que identifica devidamente e, pelo menos, 750 eleitores nos restantes, que correspondem aos territórios mais densamente povoados.

Em 2011, mais de 800 freguesias tinham menos de 300 habitantes e não é de presumir que a quase totalidade delas tenha hoje mais habitantes do que então. É preciso ter presente que a lei-quadro actual ao não permitir freguesias com menos de 250 eleitores acaba por exigir que tenham em regra mais de 300 habitantes.

Por outro lado, muitas freguesias há que foram unidas em 2013 e não querem separar-se, não contribuindo para o aumento do número de freguesias. Ficam apenas de fora freguesias que reúnem os requisitos substanciais exigidos pela Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho e que queiram readquirir a sua autonomia. É um direito que lhes assiste e que lhes deve ser reconhecido.

Poderão ser repostas algumas centenas de freguesias, mas isso não constitui nenhum mal, pois as freguesias são entes locais de proximidade e fazem falta em muitos municípios.

Aliás, criou-se o mito de que em Portugal havia freguesias a mais o que é mentira. O que é verdade é que havia centenas de freguesias demasiado pequenas e essas sim, poderiam e deveriam deixar de existir, apesar da sua secular história, por não terem, como dissemos população suficiente para cumprirem as suas funções.

Já o dissemos, mas importa repetir porque as pessoas parece que ainda não estão cientes: antes de 2013, mais de 80% dos nossos municípios tinham 20 freguesias ou menos o que não é um número excessivo se tivermos em conta que os nossos municípios têm em média 300 Km2. Já se reparou que um município com 300 Km2 e 20 freguesias tem em média freguesias com 15 Km2? Acresce que mais de 50% de municípios tinham antes da reforma 10 freguesias ou menos e é de inteira justiça a reposição das que foram extintas, desde que seja essa a sua vontade e tenham os requisitos necessários para exercerem as suas funções.

A reforma de 2013 precisa urgentemente de uma reforma e é este o momento de a fazer sem medo. 

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 12-10-2022)

Ponte de Lima: um brevíssimo olhar de fora

MUNICÍPIO - Gosto muito de visitar Ponte de Lima município com 320 Km2 e que tinha em 2013, antes da reforma, 51 freguesias (hoje tem 39) e 43116 eleitores. Atrai-me, nomeadamente a beleza da Vila, a Avenida dos Plátanos ao lado do rio e a qualidade dos restaurantes. Assim sucedeu no passado sábado, dia 8.10.22

PRIMEIRA IMPRESSÃO - A primeira impressão para quem vem pela A3 desde Braga é, no entanto, negativa. Choca ver ao longe montes cheios de chagas provocadas por uma exploração de pedra que não respeitou (nem respeita?) as regras existentes, com a cumplicidade seguramente do município e dos governos do país. Que triste!

AVENIDA DOS PLÁTANOS – É muito bonita esta avenida centenária onde apetece passear longamente. Soube pelo semanário Cardeal Saraiva (7.10.22) que está em preparação um regulamento para cuidar dos plátanos. Boa ideia e certamente que Ponte de Lima saberá resolver os problemas dos 83 plátanos existentes e cuidar do seu futuro. O município tem certamente um engenheiro florestal encarregado do arvoredo municipal da vila e não só.

IMPRENSA – É uma pena que não haja ao sábado de tarde um quiosque no centro da vila aberto, tendo os jornais e revistas nacionais e locais à venda. Na impossibilidade de manter aberto um quiosque, poderia haver um café ou outro lugar público onde a imprensa, pelo menos os jornais locais e os principais jornais nacionais, pudesse ser adquirida. Tive que me deslocar à Repsol para comprar o Cardeal Saraiva e o Alto Minho. Ambos a merecer uma apreciação que não cabe aqui.

SEMANÁRIO ALTO MINHO – No entanto, vale a pena dizer que o Alto Minho, com sede em Ponte de Lima, é um semanário que honra a região pela regularidade de publicação, pela largueza de informação (cobre diversos municípios) e opinião.

REABILITAÇÃO DE PRÉDIOS – Gosto de almoçar ao ar livre no Largo da Alegria (Petiscas) e dói ver ali o prédio que foi morada do advogado Dr. Alcides tão abandonado. Ponte de Lima tem prédios belíssimos e os prédios que tem por reabilitar são muitos e devem merecer toda a atenção.

A VILA - É muito agradável passear pelas ruas do centro da vila cheias de comércio (sobressaem as ourivesarias), restaurantes e cafés, quase todos com esplanada. E mesmo assim faz falta a “Mercearia da Vila” como funcionava até há alguns anos. Ponte de Lima é a cidade que prefere e muito bem ser vila.

HISTÓRIA – Na página oficial do município, faz falta a apresentação com destaque da sua história. Não é da história antiquíssima de Ponte de Lima é da história mais recente, nomeadamente depois da instauração do liberalismo (de que o Cardeal Saraiva foi figura de grande relevo) e da reforma de Passos Manuel de 1836 que aumentou o território concelhio. É falha que encontramos em muitas páginas de outros municípios. Todas deveriam começar com uma apresentação que incluísse população, território, número de freguesias e história.

(Artigo de opinião publicado no Semanário Alto Minho, de 12-10-2022)

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Quem manda nos municípios?

À pergunta quem manda nos municípios a resposta corrente é a de que manda quem ganhou as eleições, mas a resposta está errada, embora seja aceite, em geral, como certa.

Está errada porque quem manda nos municípios são, nos termos da Constituição e da lei, os munícipes. Está certa porque, na prática, não se cumpre nem uma, nem outra.

Na verdade, os órgãos eleitos (presidente da câmara, câmara e assembleia municipais) são órgãos representativos dos munícipes e como tal estão numa relação de responsabilidade perante estes, tendo um dever fundamental que importa ter sempre presente: o dever de prestar contas.

E esse dever não se exerce apenas de quatro em quatro anos, como se julga. A ligação dos representantes (os eleitos) com os representados (os eleitores) não finda no acto eleitoral, apenas se adapta. Uma vez eleitos, os representantes recebem um mandato para agir, mas nele está incluído o que é próprio de um mandato: prestar contas do seu exercício a quem manda.

Será isso tão complicado ou impraticável? Dá trabalho, mas não é complicado e muito menos impraticável. Sempre que um munícipe individualmente ou fazendo parte de um grupo cívico ou político quer saber como o mandato está a ser exercido ou ser informado sobre os problemas do seu município pergunta e os eleitos têm o dever de responder. Há para além dos instrumentos previstos na lei, para esse efeito, como, por exemplo, a fiscalização da câmara pela assembleia municipal ou a participação do público nas sessões, um instrumento precioso e ao qual não se tem dado a atenção devida.

Todos os municípios têm uma página oficial cheia de informação e ela deve ser um livro aberto. Assim, um munícipe que quiser saber as deliberações e decisões tomadas pelos órgãos e serviços do município, bem como das empresas ou associações de que ele faz parte, tem o direito de tomar conhecimento delas através da página oficial do município e de expor a sua opinião em lugar nela reservado para o efeito. E se a página não tiver a informação que pretende o munícipe tem o direito de perguntar e a página deve ter um lugar para o efeito, acolhendo e fornecendo uma resposta clara e completa. A maior parte dos municípios já tem esse espaço, mas está longe de funcionar como deve e, por isso, deve também existir a possibilidade de contactar por email, telefone e pessoalmente um gestor da página para obter as respostas que não se consigam de outro modo.

Uma página oficial do município que obedeça a estes parâmetros, como deve, revoluciona a democracia local, tornando-a muito mais rica. A prestação de contas que lhe está associada é, por sua vez, a demonstração de quem manda.

(Artigo de opinião publicado no Público, de 06-10-2022)