quarta-feira, 14 de junho de 2023

A regionalização na revisão constitucional em curso


A revisão constitucional que está em andamento deve ser aberta à participação dos cidadãos e ter assim larga publicidade. Tal não significa que deva ocorrer uma modificação profunda da Constituição, pois a nosso ver não há motivo para tal.

A redacção actual da Constituição deve manter-se no essencial, mas isso não significa que não se possam fazer modificações que se tornam até necessárias para prestígio da Constituição.

Não prestigia a nossa Constituição afirmar rotundamente desde 1976 que as autarquias locais no continente são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (artigo 236.º) e estas não existirem.

Não prestigia e antes viola a Constituição afirmar que deve subsistir a divisão distrital enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, mantendo-se uma assembleia deliberativa e um governador civil (artigo 291.º) e tal não suceder.

A única forma que vemos de ultrapassar esta situação é retirar da Constituição a obrigatoriedade da criação de regiões administrativas e revogar o artigo 291.º.

Essa retirada não prejudica os adeptos da regionalização que têm, na actual redacção da Constituição, um obstáculo à criação das regiões com o enviesado referendo obrigatório introduzido em 1997 e não prejudica os adversários que vêm nesta um mal para o país.

De notar, no entanto, que este último argumento não colhe para aqueles adversários da regionalização que querem ter um amparo constitucional para a sua posição. Na verdade, o texto constitucional tal como está redigido não é neutro, favorecendo os adversários da regionalização. Para provar isso basta ver o que sucederia se a obrigatoriedade da regionalização fosse retirada da Constituição.

Se a regionalização fosse, como a nosso ver deveria ser, facultativa, ela só avançaria se, na sequência de eleições ou em momento considerado oportuno, um partido ou coligação de partidos avançasse com uma lei de criação de regiões, a aprovasse na Assembleia da República e ganhasse o referendo que naturalmente ocorreria por iniciativa dos seus adversários.

A regionalização teria assim o regime jurídico que tem qualquer questão importante que divide os portugueses. O que não tem sentido é manter na Constituição o que não existe e, pior, ainda regular a obrigatoriedade de criação de regiões de tal modo que no dizer do ilustre constitucionalista e actual Presidente da República “ É mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do Continente” (Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lex, Lisboa, 1999, p. 401)

Quem receia um regime jurídico da criação de regiões no qual adeptos e adversários estejam em situação de igualdade, não tendo na Constituição nem um obstáculo, nem um apoio? E quem quer manter no texto constitucional um artigo (291.º) que a lei violou?

(Jornal Público, 14 de Junho de 2023)

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Os vereadores da oposição têm direito a assessores

O nosso sistema de governo municipal é muito original e coloca na composição do órgão executivo do município vereadores da oposição. Este sistema tem sido criticado e uma forte corrente de opinião defende que o órgão executivo deveria ser constituído apenas por uma força política (isolada ou em coligação).

Devo dizer que esta corrente de opinião tem bons argumentos, porque um órgão executivo existe para executar e, por isso, deve ser uma equipa coesa. A fiscalização da sua acção deve estar nas mãos do órgão deliberativo do município, ou seja, na assembleia municipal.

Há, entretanto, uma corrente que poderemos chamar intermédia e que merece a devida atenção. Defende que no órgão executivo deve haver sempre uma maioria para executar, mas nada impede que exista, dentro dele, membros da oposição.

Julgo que Sá Carneiro defendia e propôs esta solução e não me esqueço de um presidente de câmara (Manuel Castro Almeida, se bem me lembro) que dizia que gostava de ter na câmara municipal vereadores da oposição porque obrigavam a maioria a ter mais cuidado e, por vezes, traziam achegas que eram de ter em conta.

Simpatizo com este ponto de vista e julgo que ele deveria vigorar no nosso país, o que, aliás, já acontece na grande maioria dos municípios em que a força política a que pertence o presidente da câmara tem maioria absoluta do número de vereadores (mais de metade do total). Nos outros municípios, a lei deveria ser modificada para proporcionar a existência de maiorias absolutas à lista vencedora (tema para outro artigo).

Só que para este sistema funcionar bem os vereadores da minoria ou minorias (oposição) devem ter meios que atualmente não têm. Os vereadores da oposição auferem apenas senhas de presença (que não chegam a 80 euros por reunião) e têm, para participar conscientemente em cada reunião de câmara, que ler e estudar, em regra, centenas de páginas contendo muitas vezes assuntos a deliberar complexos e de grande importância. Estes documentos, por sua vez, chegam ao poder dos vereadores dois ou três dias antes da reunião e assim se vê como é muito difícil a vida dos vereadores da oposição se querem cumprir bem, como devem, a sua tarefa que não é como é sabido apenas a de votar contra as propostas apresentadas ( votam, aliás, a maior parte das vezes ao lado dos vereadores da maioria), mas a de votar bem informados e de acordo com a sua opinião.

Assim se compreende que a lei em vigor atribua a todos os vereadores, sem distinção de vereadores da maioria ou da minoria, o direito de ter ao seu dispor “recursos físicos, materias e humanos necessários ao exercício do respectivo mandato”, sendo dever do presidente de câmara disponibilizá-los, recorrendo preferencialmente aos serviços do município ( n.º 7 do artigo 42.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, vulgarmente conhecida como Lei das Autarquias Locais).

Os presidentes de câmara não cumprem, em regra, este dever e os vereadores da minoria são maltratados, não possuindo nem condições de trabalho (desde logo gabinete condigno) nem meios humanos adequados (assessores) .

É de aplaudir, pois, a posição do Partido Socialista de Vila Nova de Famalicão que veio recentemente requerer ao presidente da câmara do seu município a atribuição de um “assessor, a tempo inteiro, a definir pelos referidos Vereadores, de entre os recursos humanos já afetos ao município”. Bom seria que outros partidos ou forças políticas em minoria noutros municípios fizessem pedido de igual teor. Seria um serviço que prestariam à democracia local e importa dizer que já há municípios (pouquíssimos, infelizmente) que disponibilizam assessores de qualidade e a tempo inteiro aos vereadores da oposição.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 02-06-2023)