sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Orçamento participativo ou participação no orçamento?

As assembleias municipais de todo o país já aprovaram ou estão a acabar de aprovar os orçamentos para 2023, muitas delas aprovando também o denominado orçamento participativo.

O orçamento participativo que estamos habituados a ver nos nossos municípios é a entrega de uma parcela do orçamento global do município aos cidadãos para que estes decidam a utilização que dela deve ser feita, mediante regras previamente estabelecidas. É de uma parcela pequena do orçamento que se trata.

A participação no orçamento tal como aqui a exporemos é diferente. É o debate público sobre o orçamento global do município, estimulando-se os munícipes a participar na elaboração do mesmo quer no que respeita às receitas, quer no que respeita às despesas. Devemos dizer, desde já, que a nossa preferência vai para a participação no orçamento.

Estamos convencidos de que à medida que a democracia local se for consolidando, vamos assistir a debates do maior interesse relativos à elaboração dos orçamentos municipais.

Vamos ter a oportunidade de ver as câmaras municipais informar os munícipes, nas suas páginas oficiais, sobre as receitas que esperam e como pretendem gastá-las. As câmaras farão a comparação com o ano ou anos anteriores e dirão o que se espera de novo no ano seguinte, salientando o que haverá de mais positivo e de mais negativo.

Os munícipes serão incentivados e terão a possibilidade de, uma vez informados, emitirem a sua opinião concordante ou discordante sobre as opções previstas e darem até sugestões. Haverá, assim debate público com intervenção dos cidadãos, dos movimentos cívicos e, claro, dos partidos, tudo devidamente divulgado pelos meios de comunicação social.

Assim, quando a câmara tomar a deliberação de aprovação da proposta de orçamento a enviar para a assembleia municipal já ela será mais conhecida e irá naturalmente mais fundamentada.

Mas não termina aqui o debate orçamental. A partir da entrega da proposta da câmara na assembleia haverá tempo para um debate ainda mais amplo antes da reunião da assembleia para a aprovar ou rejeitar e bem poderá a câmara, através de um procedimento legalmente adequado aceitar alterações que, sem pôr em causa o que considere essencial no orçamento, entenda que o podem melhorar.

Repare-se que isto não é difícil de fazer. Basta que a página oficial do município (a parte relativa à câmara e a parte relativa à assembleia) seja um livro aberto onde esta informação e debate conste. E nada impede no meio disto que haja uma verba proveniente do orçamento participativo que entretanto decorreu e que seja integrada para aplicar nos termos que resultaram desse orçamento.

De qualquer modo o mais importante será o orçamento participado.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 23-12-2022)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Revisão constitucional e regiões administrativa: o medo!

A Constituição deve ser um documento de consenso nacional.

Desde o referendo de 1997, todos sabemos que não há, no nosso país, consenso sobre a regionalização do continente (prevista nos artigos 236º, nº. 1, 255º a 262º). Trata-se de um tema que nos divide e, por isso, deverá ser retirado da Constituição. A sua manutenção faz perigar o respeito devido pela Lei Fundamental. Há quase 50 anos que está por cumprir nesta parte.

Assim sendo, porque não se retiram aqueles preceitos da Constituição, aproveitando a revisão constitucional em curso?

A nosso ver, tal sucede por uma inesperada aliança de dois grupos de cidadãos cuja opinião tem suporte nos partidos dos quais depende a revisão da Constituição (PS e PSD). O grupo dos adversários da criação de regiões sabe que a actual redacção da Constituição, principalmente desde 1997, com as dificuldades impostas ao processo, é a melhor forma de ela não se fazer. O grupo dos defensores da regionalização do continente, por sua vez, acredita, ingenuamente, que o facto de estar consagrada constitucionalmente facilita a criação de regiões.

Acaba, pois, por ser minoritária a posição daqueles que defendem que a regionalização deve ser retirada da Constituição, sem a proibir, tornando-a facultativa. Apesar de minoritária, essa posição é a mais constitucional e a mais democrática. Mais constitucional, porque retira da Constituição um tema que divide os portugueses. Mais democrática porque, ao retirar da lei fundamental tais preceitos, remetendo para a lei ordinária a criação de regiões administrativas, coloca adeptos e adversários em pé de igualdade.

Os adeptos tentarão aprovar no parlamento a criação de regiões administrativas. Os adversários lutarão contra tal aprovação. A realização de um referendo sobre a regionalização pode sempre ser proposta e acontecer. É a luta política normal num país democrático.

Mais: se forem criadas regiões, mais tarde, poderão ser extintas, pois não serão constitucionalmente obrigatórias.

Não há que ter medo da criação de autarquias regionais.

Se forem aprovadas e resultarem, mantêm-se, se não resultarem, extinguem-se!  

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 15-12-2022)

sábado, 10 de dezembro de 2022

Aperfeiçoar a democracia local: o parlamento municipal

A democracia local em Portugal vai a caminho de 50 anos de vigência ininterrupta (1976-2026), mas não tem sido fácil a vida do seu órgão central que é a assembleia municipal.

As assembleias municipais têm sido consideradas um órgão secundário que serve apenas de registo das deliberações tomadas pelas câmaras municipais, sob a forma de aprovação das respectivas propostas.

Os debates dos problemas municipais na assembleia deixam, frequentemente, muito a desejar por várias razões, uma das quais é a falta da informação adequada dos seus membros para emitir opinião fundamentada nas comissões e no plenário da assembleia.

Ultimamente o papel das assembleias municipais tem vindo a melhorar, nomeadamente por acção persistente da Associação Nacional das Assembleias Municipais (ANAM), recentemente criada.

Há, no entanto, ainda muito caminho a percorrer e para ter disso consciência vamos imaginar o que poderiam e deveriam ser as assembleias municipais, mudando alguma legislação e práticas.

Desde logo, a mesa da assembleia não deveria estar, por inteiro, nas mãos de um só partido ou coligação, mas deveria ter vogais de outras forças nela representadas. Acresce que o número de membros deveria ser alargado para cinco, pelo menos nos municípios com mais de 10.000 habitantes.

O presidente da assembleia municipal deveria ser visto como o presidente de todos os membros que dela fazem parte e não presidente de uma facção. Devia exigir-se, por outro lado, presidentes presentes e não presidentes cheios de outras tarefas políticas, muitas vezes ausentes do concelho.

Nas assembleias municipais, têm um papel de primeiro plano os diversos grupos municipais. É da qualidade dos seus membros e principalmente da qualidade das suas intervenções que a assembleia será ou não a expressão de uma verdadeira democracia local.

Importa ter presente a este propósito que os membros da assembleia municipal não são membros a tempo inteiro. Têm a sua vida, os seus afazeres, precisando, por isso, de apoio para fazerem boas intervenções. Isso podia resolver-se em parte, como sucede na vizinha Espanha , conferindo, por lei, aos grupos municipais o poder de contratar pessoal externo da sua confiança pelo período do mandato, para efeito de, sob as ordens do respectivo grupo, obter a informação necessária para os deputados fazerem intervenções de qualidade.

Estes são breves apontamentos do muito que pode e deve fazer-se para prestigiar o parlamento local que outra coisa não é a assembleia municipal, perante a qual a câmara municipal deve responder, podendo ser destituída através de moção de censura prevista na Constituição desde 1997 (artigo 239.º, n.º 3), mas ainda não regulada por lei da Assembleia da República, que assim demonstra a sua desconsideração pela democracia local.

Sobre a matéria deste artigo começa a haver interessante bibliografia que pode ser procurada numa boa biblioteca ou ainda em www. aedrel.org.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 10-12-2022)