Tenho o hábito, nos fins de semana, de percorrer algumas sedes de concelho do interior e, muito frequentemente, do Alto Minho.
Assim sucedeu na semana passada, em que, com muita facilidade,
cheguei a Ponte da Barca (boa estrada) para almoçar e visitei, depois, a
sede do vizinho município de Arcos de Valdevez. Mais tarde, ainda deu
tempo para ir a Monção (estrada complicada convidando a uma velocidade
de passeio), consultar publicações na sua Biblioteca Municipal e dar um
salto à vizinha Galiza (do outro lado do Minho).
Nos Arcos, perguntei por venda de jornais e fui encaminhado para uma
bomba da Galp (ao que parece, o único local onde se vendem jornais à
tarde) e comprei, para além de um semanário nacional, o quinzenário
Notícias dos Arcos.
Este jornal, do dia 7 de março de 2019, constituiu uma boa surpresa,
pois dedicava à assembleia municipal (reunião de 22 de fevereiro) largo
espaço, desde o período de antes da ordem do dia com textos dedicados a
problemas locais (alterações ao PDM, abate de árvores, apoio à Igreja
de São Bento e vazadouro municipal) à ordem de trabalhos propriamente
dita.
A oposição, através de Madalena Alves Pereira, do Partido
Socialista, apontou na AM “soluções para uma sedutora campanha de
fixação de pessoas”.
Assuntos como protocolos com as freguesias ou a suspeita de
vestígios tóxicos no Rio Lima foram igualmente abordados, bem como
importantes propostas de reabilitação urbana em “áreas de grande valor
patrimonial”.
Ainda, em cobertura da Assembleia Municipal, foram tratados assuntos
como as infiltrações no túnel na variante que liga a rotunda de Prozelo
ao IC28 e o estado em que se encontra o cineteatro Alameda.
O jornal contém, também, ao longo das suas 32 páginas, outras
notícias de interesse local, dedica espaço, ainda que breve, a Ponte da
Barca e ao Lindoso, ao Carnaval, a notícias de freguesias e, a partir da
página 24, algumas páginas ao desporto, fechando na contracapa com
notícias, de novo, sobre o Carnaval.
Nota-se, neste quinzenário com mais de cem anos, algo que não é
comum, comparando com o que vemos nos semanários de outros concelhos. O
jornal Notícia dos Arcos contém poucas notícias da atividade da Câmara
(as câmaras costumam fornecer muitas notícias através dos seus cada vez
mais desenvolvidos serviços de informação) e poucas fotografias do
Presidente da Câmara.
Numa imprensa local que é, muitas vezes, dominada pela Câmara e as
notícias destas abundam, este jornal constitui um contraste. A minha
curiosidade foi ativada e tentarei saber mais sobre a imprensa do Alto
Minho.
(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 21-3-2019)
quinta-feira, 21 de março de 2019
segunda-feira, 11 de março de 2019
Regionalização: o novelo constitucional português e a simplicidade francesa
A Constituição portuguesa é, em matéria de regionalização, claramente
contraditória. Por um lado, é tão “amiga” da regionalização que não
permite sequer que seja referendada. Com efeito, a criação de regiões
administrativas é irreferendável, como lembrou o Tribunal Constitucional
por ocasião do referendo de 1998 (Acórdão n.º 532/98). Referendável,
diz o mesmo acórdão, é apenas o mapa em concreto da regionalização e de
tal modo que um resultado negativo de um referendo é, em termos
jurídicos, apenas o resultado negativo do mapa apresentado e só deste,
não pondo em causa a obrigatoriedade constitucional da existência de
regiões administrativas.
Mas, por outro lado, a Constituição portuguesa submete a instituição em concreto das regiões a um procedimento que os adversários da regionalização defendem a todo o custo. É o seu trunfo. A Constituição favorece-os e ainda mais depois da revisão de 1997.
Na verdade e simplificando, o procedimento começa com a elaboração e aprovação de uma lei que cria simultaneamente todas as regiões administrativas do continente (lei do mapa regional).
Depois, a Constituição ordena que se realize obrigatoriamente um referendo com duas perguntas: a primeira, com a finalidade de conhecer o voto dos cidadãos eleitores de todo o país (continente e regiões autónomas) sobre a lei do mapa em geral; a segunda, com a finalidade de conhecer o voto dos cidadãos sobre a região que a lei lhes determinou (a esta pergunta só respondem os cidadãos nela residentes).
Verificados os resultados e se a resposta à primeira pergunta for negativa, acaba aqui o procedimento. Mas, mesmo que seja positiva, é preciso verificar se foi também positiva a resposta à segunda pergunta, pois a Constituição admite buracos na regionalização do país e assim partes que fiquem sem regiões, porque foi negativa a resposta à segunda pergunta, em algumas delas. Cumpridas estas formalidades (melhor, ultrapassados estes obstáculos) estão reunidas as condições para haver regiões administrativas, devendo a Assembleia da República elaborar leis de criação das regiões aprovadas em referendo.
E não foi assim em França? Não foi assim que se criaram regiões no país que, em 1969, reprovou, em referendo, a regionalização (21 regiões) proposta pelo general De Gaulle? Não! O procedimento foi muito diferente. As regiões reprovadas por referendo mantiveram-se, a partir de 1972, como institutos públicos territoriais até 1982. Em 1981, François Mitterrand ganhou as eleições presidenciais e, como é habitual em França, convocou de seguida eleições para a Assembleia Nacional que o Partido Socialista (PS) venceu.
De entre as promessas eleitorais do PS francês estava a criação de regiões e assim sucedeu por lei de 2 de março de 1982, estabelecendo 21 regiões administrativas, no continente europeu. Curiosamente, as eleições para estas 21 regiões ocorreram em 1986 (houve necessidade de as instalar previamente e preparar a nova fase) e foram ganhas pela direita (20 das 21 regiões). Foi a democracia a funcionar e, desde então, as regiões ora estão nas mãos de forças políticas de esquerda, ora de direita.
Essa criação foi possível porque a Constituição francesa de 1958 não punha obstáculos à criação de regiões administrativas. Não as impunha nem as proibia e muito menos exigia referendo. Mais interessante ainda: em 2003, 20 anos depois, foram acolhidas na Constituição e tornaram-se um elemento da descentralização territorial. Veja-se: em França, as regiões criaram-se por lei e mais tarde, já consolidadas, entraram na Constituição. Em Portugal, entraram primeiro na Constituição (1976) e ainda não existem...
Por ocasião do referendo de 1998, em Portugal, dizia-se que o mapa estava errado, mas não se disse que o mapa podia ser corrigido. Em França, o mapa foi modificado, em 2016, por ocasião da crise financeira que atingiu a Europa, tendo sido reduzido o número das regiões do continente europeu de 21 para 13.
Será assim tão difícil modificar a Constituição portuguesa nesta parte, tornando-a neutra? Difícil não é, o que é preciso é vontade.
Bastava suprimir a criação obrigatória das regiões (artigo 236.º n.º 1 da Constituição) e, ao mesmo tempo, todo o capítulo IV, do título VIII da Parte III (artigos 255.º a 262º) com a epígrafe “Região Administrativa” (artigos 255.º a 262º), introduzindo apenas uma alínea no artigo 236.º, dizendo “No continente, pode haver regiões administrativas”.
E o referendo, perguntar-se-á? O referendo seria facultativo e realizar-se-ia a pedido de quem o pretendesse, como é natural. O que não é natural é que o referendo sobre a regionalização seja, neste momento, obrigatório por imposição constitucional.
Haverá vontade política para fazer estas modificações bem simples? Não parece. Os adversários da regionalização opõem-se, porque a Constituição os favorece e os que defendem a criação de regiões administrativas estão divididos e não estão ainda bem conscientes de que lhes foi colocada, à frente, uma armadilha e que a primeira tarefa que têm é desmontá-la.
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público e no Jornal Público Onilne de 11-3-2019)
Mas, por outro lado, a Constituição portuguesa submete a instituição em concreto das regiões a um procedimento que os adversários da regionalização defendem a todo o custo. É o seu trunfo. A Constituição favorece-os e ainda mais depois da revisão de 1997.
Na verdade e simplificando, o procedimento começa com a elaboração e aprovação de uma lei que cria simultaneamente todas as regiões administrativas do continente (lei do mapa regional).
Depois, a Constituição ordena que se realize obrigatoriamente um referendo com duas perguntas: a primeira, com a finalidade de conhecer o voto dos cidadãos eleitores de todo o país (continente e regiões autónomas) sobre a lei do mapa em geral; a segunda, com a finalidade de conhecer o voto dos cidadãos sobre a região que a lei lhes determinou (a esta pergunta só respondem os cidadãos nela residentes).
Verificados os resultados e se a resposta à primeira pergunta for negativa, acaba aqui o procedimento. Mas, mesmo que seja positiva, é preciso verificar se foi também positiva a resposta à segunda pergunta, pois a Constituição admite buracos na regionalização do país e assim partes que fiquem sem regiões, porque foi negativa a resposta à segunda pergunta, em algumas delas. Cumpridas estas formalidades (melhor, ultrapassados estes obstáculos) estão reunidas as condições para haver regiões administrativas, devendo a Assembleia da República elaborar leis de criação das regiões aprovadas em referendo.
E não foi assim em França? Não foi assim que se criaram regiões no país que, em 1969, reprovou, em referendo, a regionalização (21 regiões) proposta pelo general De Gaulle? Não! O procedimento foi muito diferente. As regiões reprovadas por referendo mantiveram-se, a partir de 1972, como institutos públicos territoriais até 1982. Em 1981, François Mitterrand ganhou as eleições presidenciais e, como é habitual em França, convocou de seguida eleições para a Assembleia Nacional que o Partido Socialista (PS) venceu.
De entre as promessas eleitorais do PS francês estava a criação de regiões e assim sucedeu por lei de 2 de março de 1982, estabelecendo 21 regiões administrativas, no continente europeu. Curiosamente, as eleições para estas 21 regiões ocorreram em 1986 (houve necessidade de as instalar previamente e preparar a nova fase) e foram ganhas pela direita (20 das 21 regiões). Foi a democracia a funcionar e, desde então, as regiões ora estão nas mãos de forças políticas de esquerda, ora de direita.
Essa criação foi possível porque a Constituição francesa de 1958 não punha obstáculos à criação de regiões administrativas. Não as impunha nem as proibia e muito menos exigia referendo. Mais interessante ainda: em 2003, 20 anos depois, foram acolhidas na Constituição e tornaram-se um elemento da descentralização territorial. Veja-se: em França, as regiões criaram-se por lei e mais tarde, já consolidadas, entraram na Constituição. Em Portugal, entraram primeiro na Constituição (1976) e ainda não existem...
Por ocasião do referendo de 1998, em Portugal, dizia-se que o mapa estava errado, mas não se disse que o mapa podia ser corrigido. Em França, o mapa foi modificado, em 2016, por ocasião da crise financeira que atingiu a Europa, tendo sido reduzido o número das regiões do continente europeu de 21 para 13.
Será assim tão difícil modificar a Constituição portuguesa nesta parte, tornando-a neutra? Difícil não é, o que é preciso é vontade.
Bastava suprimir a criação obrigatória das regiões (artigo 236.º n.º 1 da Constituição) e, ao mesmo tempo, todo o capítulo IV, do título VIII da Parte III (artigos 255.º a 262º) com a epígrafe “Região Administrativa” (artigos 255.º a 262º), introduzindo apenas uma alínea no artigo 236.º, dizendo “No continente, pode haver regiões administrativas”.
E o referendo, perguntar-se-á? O referendo seria facultativo e realizar-se-ia a pedido de quem o pretendesse, como é natural. O que não é natural é que o referendo sobre a regionalização seja, neste momento, obrigatório por imposição constitucional.
Haverá vontade política para fazer estas modificações bem simples? Não parece. Os adversários da regionalização opõem-se, porque a Constituição os favorece e os que defendem a criação de regiões administrativas estão divididos e não estão ainda bem conscientes de que lhes foi colocada, à frente, uma armadilha e que a primeira tarefa que têm é desmontá-la.
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público e no Jornal Público Onilne de 11-3-2019)
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