terça-feira, 6 de abril de 2021

Da debilidade das freguesias à prepotência da AR

A prepotência da Assembleia da República (AR) no que respeita às freguesias tem sido manifesta desde a intervenção da troika, em 2011, seguindo sempre fielmente a vontade do Governo. Vejamos sucintamente quatro episódios que a comprovam, por ordem cronológica.

Contendo o memorando de entendimento de maio de 2011 "ordem" para reduzir o número de municípios e freguesias, a AR apenas reduziu as freguesias, pois bem sabia que intrometer-se com os municípios seria muito mais complicado.

Nesse sentido, em 2013, ao fazer a reforma das freguesias, uma reforma aceitável, tendo em conta nomeadamente que havia largas centenas delas com muito pouca população, agiu de forma arbitrária. Em vez de apresentar uma noção de freguesia adequada, combinando população e território e outras particularidades, extinguindo freguesias inviáveis, entendeu cortar freguesias em todo o país, através de um critério percentual. Os municípios ficariam com menos freguesias. O critério não poderia ser mais irracional, uma vez que, para funcionar, deveria haver uma proporção entre população e território dos municípios e número de freguesias. Nada mais errado. Em Portugal, não há qualquer proporção neste domínio.

O resultado mais evidente da reforma foi a criação, por "agregação", de largas dezenas de megafreguesias, ou seja, freguesias desnaturadas e a extinção de muitas outras que tinham todas as condições para continuar a existir.

A prepotência do legislador não parou aqui. Deixou as freguesias sem uma lei-quadro de criação, extinção e modificação desde 2013 até aos dias de hoje, violando a Constituição. Claro que os municípios têm uma lei-quadro.

E, como se não bastasse, a proposta de lei que corre, neste momento, na Assembleia da República é, por um lado, "filha" da lei de 2013, continuando a utilizar a estranha designação de agregação e desagregação de freguesias e, por outro, faz depender a criação de freguesias do assentimento das assembleias de freguesia e das assembleias municipais envolvidas na freguesia a criar, exigindo-se voto favorável por maioria qualificada destas. Isto é, a freguesia pode ter todas as condições para existir, mas se não tiver esses votos, nada feito. Pobres das freguesias do nosso país sujeitas a tanta prepotência.

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 06-04-2021)