O que os jornais não disseram, nem podiam dizer nessa data, é que só no dia 27 de julho, em reunião de câmara, este gasto foi submetido e aprovado. Ou seja, a deliberação da câmara e a opinião dos vereadores, nomeadamente os da oposição, foi apenas uma formalidade. Bem poderiam estes na reunião de câmara exprimir opinião diferente, esgrimir argumentos, pois a "deliberação" já estava tomada e anunciada.
Isto é uma desconsideração das regras democráticas de tal ordem que deveria motivar vivos protestos dos membros do órgão colegial câmara e particularmente dos da oposição nessa reunião e um claro voto contra. Um voto contra, independentemente do conteúdo da deliberação, pelo procedimento seguido, pois não se tratam assim os vereadores. Outra solução seria sair da reunião na ocasião da votação.
Mas vejamos também o conteúdo. Gastar mais de 112.000 euros com estes artistas é desviar dinheiro que deveria ser utilizado para valorizar o artesanato e a gastronomia locais para fins que não são os próprios de uma feira deste tipo. Muito há a fazer em favor do artesanato e da gastronomia famalicenses. Não está feita uma história do estado do nosso artesanato e gastronomia e todos sabemos que ela é rica, mas corre riscos, em muitos domínios. Não se tem cuidado do apoio a actividades em vias de extinção ou a sofrer sérios problemas como, por exemplo, a produção de mel. Não se tem recuperado e valorizado a doçaria e bem nos lembramos, também a título de exemplo, da qualidade dos doces brancos e amarelos, dos charutos e das paciências. E as broas de milho que se faziam (ainda fazem?) nas casas de lavoura e não só? E os moinhos e os moleiros ? Com muito menos de 100.000 euros tanta coisa se poderia fazer!
Em vez disso, a câmara entendeu aprovar por unanimidade(!) dos seus 11 vereadores um orçamento de 370.000 euros para a 38.ª Feira organizada pelo município, mais 100.000 do que no ano passado.
Isto revela bem a visão política que subjaz a esta e certamente a outras feiras do artesanato e da gastronomia que percorrem o país. Não se trata de apoiar fortemente o artesanato e a gastronomia locais, dando a devida importância ao que de melhor há nos concelhos em causa, quer no que é tradição, quer no que é novo, não! O que interessa é que a Feira seja falada e badalada e se diga que vieram largas centenas de milhar de visitantes, muitos deles contados várias vezes. É o espectáculo e com ele a publicidade (pré-eleitoral) que está primeiro.
(Em Diário do Minho, 11/08/2023 – texto revisto depois de publicado)