domingo, 13 de agosto de 2023

Democracia Local e Feira do Artesanato: isto já anda assim?


                Dois jornais  de Vila Nova de Famalicão, na sua edição impressa de 26 de julho de 2023,  publicaram, com largo destaque de primeira página,  o anúncio feito pelo Presidente da Câmara e pelo Vereador da Cultura, em conferência de imprensa realizada no dia 24,  da vinda  à Feira do Artesanato e da Gastronomia (38ª) dos afamados artistas Paulo Gonzo, Áurea e Zé Amaro.  Trata-se de um gasto de mais de 112.000 euros para enriquecer a Feira.

O que os jornais não disseram, nem podiam dizer nessa data,  é que só no dia 27 de julho em reunião de câmara  este gasto foi submetido a reunião de câmara e aprovado. Ou seja, a deliberação da câmara e a opinião dos vereadores, nomeadamente os da oposição, foi apenas uma formalidade. Bem poderiam estes na reunião de câmara exprimir opinião diferente, esgrimir argumentos, pois a “deliberação” já estava tomada e anunciada.

Isto é uma desconsideração das regras democráticas de tal ordem  que deveria motivar vivos protestos dos membros do  órgão colegial câmara e particularmente dos da oposição nessa reunião  e  um claro  voto contra. Um voto contra, independentemente do conteúdo da deliberação, pelo procedimento seguido, pois não se tratam assim os vereadores.   Outra solução seria sair da reunião na ocasião da votação.

Mas, vejamos também o conteúdo. Gastar mais de 112.000 euros  com estes artistas é desviar dinheiro que deveria ser utilizado para valorizar o artesanato e a gastronomia locais para   fins que não são os próprios de uma feira deste tipo.

Muito há a fazer em favor do artesanato e da gastronomia famalicenses. Não está feita uma história do estado do nosso artesanato e  gastronomia e todos sabemos que ela é rica, mas corre riscos, em muitos domínios. Não se tem cuidado do apoio a actividades em vias de extinção ou a sofrer sérios problemas como, por exemplo, a produção de mel. Não se tem recuperado e valorizado a doçaria e bem nos lembramos, também a título de exemplo, da qualidade dos  doces brancos e amarelos, dos “charutos”e  das “paciências”. E as broas de milho que se faziam (ainda fazem?) nas casas de lavoura e não só? E os moinhos e os moleiros ? Com muito menos de 100.000 euros tanta coisa se poderia fazer.

Em vez disso, a câmara entendeu aprovar por unanimidade(!) dos seus 11 vereadores um orçamento de 370.000 euros para a 38ª Feira organizada pelo município, mais 100.000  do que no ano passado.

Isto revela bem a visão  política  que subjaz  a esta e certamente a outras  feiras do artesanato e da gastronomia que percorrem o país. Não se trata de apoiar fortemente o artesanato e a gastronomia locais, dando a devida importância ao que de melhor há nos concelhos em causa,  quer no que  é tradição, quer no que é novo, não! O que interessa é que a Feira seja falada e badalada e se diga que vieram largas  centenas de milhar de visitantes, muitos deles contados várias vezes. É o espectáculo e com ele a publicidade (pré-eleitoral) que está primeiro.

(Publicado no Diário do Minho de 11.8.2023 - texto revisto)