quinta-feira, 30 de março de 2017

O grande teste

Um titular de elevado cargo público é acusado de ter favorecido descaradamente pessoa amiga num concurso público.
Qual é a sua defesa num regime democrático baseado na transparência e na publicidade?
É bem simples.
Não temer que o seu comportamento seja tornado público e escrutinado. Não temer – e antes desejar – que um qualquer interessado, um qualquer cidadão possa ver que agiu como devia agir e não para favorecer quem quer que fosse, muito menos pessoa das suas relações próximas.
Se em vez disso, faz tudo o que estiver ao seu alcance, usando o poder que o cargo lhe dá, para que o assunto não seja divulgado, para que sobre a questão em causa pese o silêncio, a sua condenação está feita.
Não tem a consciência tranquila. O seu comportamento não passa no teste democrático da transparência e consequente publicidade.
Que vergonha!
Mas perguntar-se-á: isso acontece?
Titulares de elevados cargos públicos procedem desse modo, encobrindo o que fazem?
Que pergunta tão ingénua!
Acontece, porque o exercício do poder é fonte de grandes e graves tentações.
E o antídoto que é próprio de um regime democrático – e não de nenhum outro (repare-se que num regime não democrático quem manda não tem o dever de prestar contas do
que faz perante os cidadãos) – é a informação isenta e a opinião.
A informação isenta dá publicidade a casos destes e outros, não os encobrindo e a opinião pública faz o resto, emitindo o seu juízo.
Mas quando a informação isenta não existe ou não funciona, quando os assuntos são escondidos pelos autores dos atos e seus cúmplices, a democracia é atropelada.
Não é a democracia que é má, pois é o único regime baseado na dignidade da pessoa humana e no respeito dos seus direitos fundamentais, bem como na prestação de contas perante os cidadãos.
Má é a prática do não cumprimento das suas regras essenciais…

in Diário do Minho

quinta-feira, 16 de março de 2017

Por amor dos livros: uma exposição!

Há um problema sério, nos dias de hoje, relacionado com a conservação dos livros. Todos conhecemos pessoas que reuniram, ao longo da sua vida, centenas (quando não milhares) de livros e revistas e que querem resolver o problema do destino a dar-lhes.
 

Vou-me referir apenas a livros e revistas de Direito, por ser esta uma das áreas em que o livro é muito importante e aquela que mais tenho cultivado.
Os proprietários deparam-se frequentemente com o facto de não ter, desde logo na família, interessados nessas publicações e já não as utilizam como utilizavam, acrescendo que muitas delas perderam atualidade quanto ao direito em vigor.
 

Assiste-se, numa primeira fase, também por razões de espaço, à passagem desses livros das estantes para caixotes, que são colocados, muitas vezes, em garagens ou espaços semelhantes e, passados anos, frequentemente, por deterioração resultante da humidade ou outra causa, acabam no lixo, já sem o pesar inicial da separação, exatamente porque estão em mau estado.
Uma das ideias que tive e não cheguei a concretizar, ao longo do trabalho na universidade, foi a de adquirir ou arrendar um pavilhão nos arredores da cidade para acolher tais livros em condições mínimas de boa conservação.
 

A ideia era propor aos proprietários a confiança dos livros, sem perda da propriedade destes, podendo pedi-los, ou mesmo recuperá-los de novo sempre que assim o entendessem e os tivessem entregado com essa condição.
 

Não era ideia de fácil concretização, pois iria implicar a ajuda de pessoas e instituições que tivessem amor pelos livros.
Não se pense que este problema se poderia resolver facilmente de outra forma, ou seja, confiando os livros a bibliotecas, pois conhecemos algumas bem importantes que só aceitam livros muito seletivamente, recusando os restantes (por repetidos ou considerados “sem interesse”). E aqui as razões de espaço também contam, infelizmente.
 

Esta ideia não se concretizou, mas é ainda a pensar nela que andamos a trabalhar uma outra, a meu ver mais exequível e que julgamos valer a pena.
Estamos a comemorar os 40 anos do poder local democrático e era do maior significado e proveito reunir livros e revistas que dissessem respeito às autarquias locais, nomeadamente municípios e freguesias, e fazer com eles uma grande exposição.
 

O evento teria como base ofertas ou empréstimos desses livros, não só dos últimos 40 anos, mas pelo menos desde o século XIX (ir até séculos ainda mais anteriores seria um trabalho muito exigente e mais difícil de concretizar). Reunindo todos esses livros e revistas, ficaríamos com um panorama muito rico da bibliografia municipal e paroquial dos últimos 200 anos.
 

Terminada a exposição, restituídos os livros a quem os tivesse emprestado apenas para a exposição, haveria o cuidado de arranjar um local para conservar e classificar as publicações de maior interesse, que pudessem ser obtidos. O local que a acolhesse poderia ser, certamente, a melhor biblioteca específica do poder local do nosso país. Isso implicava apenas uma instituição pública, ou outra de natureza privada e altruísta, que se empenhasse, também, nesta iniciativa.
 

Haverá condições para concretizar esta ideia? Há muito por estudar no que respeita ao poder local e esses livros fazem falta. 

O passo inicial está dado. 


in Diário do Minho