quinta-feira, 29 de março de 2018

Investigar, é preciso!

O mundo do poder local, que também poderíamos chamar da autonomia local ou da democracia local e que conhecemos correntemente pela expressão pouco feliz de “autarquias locais”, merece muito estudo.  Há muitas perguntas para responder, depois da necessária investigação, dando lugar a teses de mestrado (à moda antiga) ou de doutoramento.
Assim, qual a razão que determinou que tenhamos, desde 1836, um mapa municipal   tão diferente dos países que mais estão próximos de nós como a Espanha e a França e um pouco mais distante como a Itália? Fomos o primeiro país da Europa a fazer uma reforma territorial dos municípios audaciosa, e que foi seguida, mais de um século depois, pelos países do norte da Europa.
Como se explica que só nós e, de certo modo, a Inglaterra tenhamos entes locais inframunicipais (freguesias) de modo tão forte como temos? E a nível supramunicipal, por que não vingou em Portugal, nem o distrito, nem a região administrativa, sendo certo que aquele foi criado em 1835 e ainda se mantém na Constituição da República Portuguesa de 1976 e esta, estando consagrada nessa mesma Constituição, não viu ainda a luz do dia? Qual a razão profunda destes fenómenos? 
Por outro lado, o que dizer do estranho sistema de governo municipal que temos, permitindo a existência de órgãos executivos que não podem (ou, pelo menos, têm graves dificuldades em) governar por falta de adequada maioria?
Como se explica, por sua vez, a tão débil missão fiscalizadora dos órgãos deliberativos sobre os executivos? Está por fazer o estudo das assembleias locais, nomeadamente das assembleias municipais.
E ainda, como foi possível fazer recentemente uma reforma das freguesias tão desastrada do ponto de vista procedimental (e mesmo constitucional), e essa reforma parecer, afinal, estar a dar resultados que não são objeto de forte contestação como seria de esperar?
Dito isto, ainda estamos longe de enumerar todas as matérias que carecem de estudo no nosso direito local autónomo. Reclamam trabalho aprofundado o estatuto dos eleitos locais e o estatuto do pessoal de que os entes locais carecem. As finanças locais, por sua vez, estão à espera de lei adequada, como de lei adequada precisa também, por exemplo, a responsabilidade criminal dos eleitos locais, pois a atual é obsoleta. E devemos ter sempre bem presente que as boas leis só se fazem com sério estudo prévio.
A lista de problemas que estão à espera de estudo e solução, envolvem a história do Direito, o Direito constitucional, o Direito administrativo, o Direito penal, o Direito do trabalho e muitos outros ramos do Direito e ciências afins. De que estamos à espera para melhorar o governo do nosso país, que não pode  prescindir do bom governo a nível local? 

  (Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 29-03-2018)

quinta-feira, 15 de março de 2018

Um Clássico da Descentralização

Numa altura em que se debate, em Portugal, o tema da descentralização é obrigatório, para quem quiser ter uma opinião fundamentada, ler o livro do Professor João Baptista Machado, intitulado “Participação e Descentralização. Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976”.
Esta publicação é composta por dois estudos. O primeiro, “Participação e Descentralização”, foi elaborado em 1976-1977 e publicado pela primeira vez em 1978 na «Revista de Direito e Estudos Sociais». O segundo, intitulado “Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976” corresponde a uma conferência feita pelo autor, em Braga, na Faculdade de Filosofia, em finais de 1981. O livro é uma edição de 1982, da Livraria Almedina, de Coimbra, e um clássico nesta matéria, especialmente o primeiro estudo.

Não cabe, na dimensão deste artigo, dar conta da riqueza do pensamento do Autor, mas não podemos deixar de dar a conhecer alguns extratos.
Um deles, e dos mais notáveis, diz respeito à criação de regiões onde não exista uma clara delimitação das mesmas, como sucede, em Portugal, no Norte e no Centro.

Escreve: “Quando essa realidade sociológica (socioeconómica) não exista, a lei, só por si, não lhe pode dar vida. Mas importa lembrar que a ação económica e social do Estado no quadro da região pode contribuir para a criação de uma verdadeira solidariedade de interesses, capaz de vir a ser reconhecida e sentida pelas populações” e formar a prazo mais ou menos longo um “verdadeiro espírito regional”

Diz também mais adiante e sobre o significado da descentralização: “O que não pode negar-se é que a gestão dos assuntos locais pelas respetivas populações e pelos seus eleitos constitui uma óptima escola de formação cívica, que prepara e educa para o exercício da democracia no quadro nacional”.

E vai mais longe: “Os adeptos da liberdade são descentralizadores; os técnicos e aqueles que se preocupam predominantemente com a eficácia e rendimento da ação administrativa  são, em regra,  centralizadores”.

Adverte: “A centralização, derivando de toda a iniciativa e vida administrativa própria as massas de uma população, cada vez mais asfixiada pelas sujeições e condicionamentos a que a submete um Estado-Administração omnipresente, coenvolve o risco de provocar uma perigosa ruptura no equilíbrio do corpo social”.

Fecha bem este conjunto de citações daquele que foi um dos maiores juristas e pensadores portugueses do século XX, nascido em Vila Verde e trabalhador-estudante para obter a sua licenciatura, este parágrafo: “E assim diremos a finalizar que, se a descentralização lato sensu é, por um lado, postulada pela existência de entes individuais e colectivos subestaduais, ela é, por outro lado, e num plano ainda mais profundo, postulada também pelo valor fundamental da liberdade ou da autonomia da pessoa humana”.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 15-03-2018)

sexta-feira, 2 de março de 2018

Fogos florestais: uma responsabilidade coletiva


O que sucedeu no ano passado com os fogos florestais mostrou-nos que é necessário que à volta da rede viária e da rede ferroviária haja uma limpeza, de modo a que não existam árvores e matos facilmente inflamáveis numa determinada faixa (10 metros de cada lado). Desse modo, se protegerão dos efeitos dos incêndios as pessoas que circulem nessas vias. É algo que bem se compreende, como se compreende igualmente que sejam as entidades responsáveis por essas vias a cuidar do cumprimento destas medidas. Têm, aqui, responsabilidade a Infraestruturas de Portugal, que tem a seu cargo as principais vias rodoviárias e ferroviárias, e os municípios, no que respeita às vias municipais.

Por outro lado, essa mesma memória do ano passado diz-nos que à volta de cada casa ou aglomerado
destas, deve ser feita uma igual limpeza, de modo a que sejam protegidas dos incêndios pessoas e bens. Também se compreende que, em relação a estas habitações, a responsabilidade da limpeza à sua volta seja feita pelos proprietários dos terrenos que têm árvores e matos.

O grave problema é que este é um trabalho hercúleo, desde logo porque, até 2017, pouca gente se preocupava em cumprir com seriedade a lei. Além de trabalhoso, implicava o gasto de muito dinheiro.

Mas, depois de 2017 nada é como dantes. Todos percebemos que a morte ou gravíssimos ferimentos podem surgir de modo violento quando se circula numa estrada ou se está dentro de uma casa próxima de árvores altamente inflamáveis (sem esquecer o coberto vegetal). Todos percebemos que têm de existir faixas de proteção.

Nestas circunstâncias, a responsabilidade é geral: começa no Estado e nas empresas concessionárias de autoestradas, continua nos municípios e freguesias, alcança proprietários de terrenos e moradores de habitações e não deixa indiferente os restantes cidadãos, morem onde morarem.

O que aconteceu no ano passado não pode repetir-se e é por isso que todos somos chamados a cuidar deste problema. As deficiências da legislação e a falta de meios não podem justificar a inação. Podem, apenas,  explicar a impossibilidade de fazer tudo o que era necessário.

Em resumo, todos temos responsabilidade nesta matéria, que bem merecia uma mobilização de todos os cidadãos e não apenas daqueles que vivem sob a ameaça do que poderá acontecer nos meses que se aproximam.


(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 2-03-2018)