quinta-feira, 15 de março de 2018

Um Clássico da Descentralização

Numa altura em que se debate, em Portugal, o tema da descentralização é obrigatório, para quem quiser ter uma opinião fundamentada, ler o livro do Professor João Baptista Machado, intitulado “Participação e Descentralização. Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976”.
Esta publicação é composta por dois estudos. O primeiro, “Participação e Descentralização”, foi elaborado em 1976-1977 e publicado pela primeira vez em 1978 na «Revista de Direito e Estudos Sociais». O segundo, intitulado “Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976” corresponde a uma conferência feita pelo autor, em Braga, na Faculdade de Filosofia, em finais de 1981. O livro é uma edição de 1982, da Livraria Almedina, de Coimbra, e um clássico nesta matéria, especialmente o primeiro estudo.

Não cabe, na dimensão deste artigo, dar conta da riqueza do pensamento do Autor, mas não podemos deixar de dar a conhecer alguns extratos.
Um deles, e dos mais notáveis, diz respeito à criação de regiões onde não exista uma clara delimitação das mesmas, como sucede, em Portugal, no Norte e no Centro.

Escreve: “Quando essa realidade sociológica (socioeconómica) não exista, a lei, só por si, não lhe pode dar vida. Mas importa lembrar que a ação económica e social do Estado no quadro da região pode contribuir para a criação de uma verdadeira solidariedade de interesses, capaz de vir a ser reconhecida e sentida pelas populações” e formar a prazo mais ou menos longo um “verdadeiro espírito regional”

Diz também mais adiante e sobre o significado da descentralização: “O que não pode negar-se é que a gestão dos assuntos locais pelas respetivas populações e pelos seus eleitos constitui uma óptima escola de formação cívica, que prepara e educa para o exercício da democracia no quadro nacional”.

E vai mais longe: “Os adeptos da liberdade são descentralizadores; os técnicos e aqueles que se preocupam predominantemente com a eficácia e rendimento da ação administrativa  são, em regra,  centralizadores”.

Adverte: “A centralização, derivando de toda a iniciativa e vida administrativa própria as massas de uma população, cada vez mais asfixiada pelas sujeições e condicionamentos a que a submete um Estado-Administração omnipresente, coenvolve o risco de provocar uma perigosa ruptura no equilíbrio do corpo social”.

Fecha bem este conjunto de citações daquele que foi um dos maiores juristas e pensadores portugueses do século XX, nascido em Vila Verde e trabalhador-estudante para obter a sua licenciatura, este parágrafo: “E assim diremos a finalizar que, se a descentralização lato sensu é, por um lado, postulada pela existência de entes individuais e colectivos subestaduais, ela é, por outro lado, e num plano ainda mais profundo, postulada também pelo valor fundamental da liberdade ou da autonomia da pessoa humana”.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 15-03-2018)