O PSD, agora com novo líder, ao recusar o apoio ao referendo sobre a
regionalização em 2024, deu uma ajuda ao PS que este deve aproveitar e
agradecer. Fazer um referendo em fim de legislatura e nas condições que a
Constituição estabeleceu em 1997, por imposição do PSD, é tarefa
condenada ao insucesso. O PS pode livrar-se de uma derrota.
Entretanto,
o PSD não se definiu quanto ao cumprimento da Constituição nesta
matéria. Não disse nada pela positiva, nem é previsível que o diga nos
tempos mais próximos. Perante este novo cenário o Governo tem uma
oportunidade que não deve desperdiçar. Trata-se de pôr em prática uma
desconcentração regional bem feita que seja caminho para um melhor
governo do país e que, se bem sucedida, abrirá portas inesperadas. Para
fazer essa desconcentração o Governo não precisa da colaboração do PSD,
nem de qualquer referendo, precisa apenas de vontade de a fazer.
Em
que consiste essa desconcentração regional? Consiste fundamentalmente
em atribuir às cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
(CCDR) do continente personalidade jurídica, sob a forma de institutos
públicos; em colocá-las, ao mesmo tempo, no âmbito da Presidência do
Conselho de Ministros, como já sucedeu, e não de qualquer ministério; e
em dotá-las de amplas atribuições e competências que deverão ser
transferidas dos diversos departamentos ministeriais que têm serviços
periféricos regionais, como, alías, já anunciou.
Os serviços
periféricos dos diversos ministérios em vez de actuarem cada um para seu
lado intregrar-se-iam nas CCDR e agiriam de forma articulada, como
sempre deveriam actuar. Importa dizer que isto é cumprir a Constituição
(CRP), ainda que parcialmente. Na verdade, o princípio da
desconcentração está expressamente consagrado no artigo 267.º da CRP ao
lado do princípio da descentralização.
É certo que se o Governo
tiver a coragem e a vontade de assim proceder será criticado e dir-se-á
que criou regiões administrativas disfarçadas. É uma crítica que poderá
rebater com facilidade, pois não se trata de criar regiões
administrativas como autarquias locais, mas como entes desconcentrados
(institutos públicos) o que a CRP permite e aconselha.
Reagirão
violentamente os adversários da regionalização? Certamente. Mas isso é
problema que terão de resolver, porque demonstrarão que, no fundo, não é
só a descentralização regional que recusam, mas também a mera
desconcentração regional.
Terá o Governo vontade firme de
retirar poder ao centro, pois descentralização e desconcentração são,
embora em medida diferente, isso mesmo? Os tempos mais próximos darão a
resposta.
E será que esta desconcentração impede a prazo a
descentralização regional? É claro que não. A desconcentração pode ser
caminho seguro para a descentralização regional. Basta ter bem presente o
conhecido exemplo francês. Será preciso recordá-lo?
Continuará
a haver, no entanto, uma dificuldade para ir mais além, que é a
redacção actual da Constituição. Esta é o maior trunfo dos adversários
da criação de regiões administrativas pela incoerência de impor a
criação de regiões (artigo 236.º, n.º 1) e depois criar as maiores
dificuldades na sua instituição em concreto (artigo 256.º).
(Artigo de opinião publicado no Público, de 14-07-2022)