quinta-feira, 14 de julho de 2022

Regiões: as portas que o PSD abriu

O PSD, agora com novo líder, ao recusar o apoio ao referendo sobre a regionalização em 2024, deu uma ajuda ao PS que este deve aproveitar e agradecer. Fazer um referendo em fim de legislatura e nas condições que a Constituição estabeleceu em 1997, por imposição do PSD, é tarefa condenada ao insucesso. O PS pode livrar-se de uma derrota.

Entretanto, o PSD não se definiu quanto ao cumprimento da Constituição nesta matéria. Não disse nada pela positiva, nem é previsível que o diga nos tempos mais próximos. Perante este novo cenário o Governo tem uma oportunidade que não deve desperdiçar. Trata-se de pôr em prática uma desconcentração regional bem feita que seja caminho para um melhor governo do país e que, se bem sucedida, abrirá portas inesperadas. Para fazer essa desconcentração o Governo não precisa da colaboração do PSD, nem de qualquer referendo, precisa apenas de vontade de a fazer.

Em que consiste essa desconcentração regional? Consiste fundamentalmente em atribuir às cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do continente personalidade jurídica, sob a forma de institutos públicos; em colocá-las, ao mesmo tempo, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, como já sucedeu, e não de qualquer ministério; e em dotá-las de amplas atribuições e competências que deverão ser transferidas dos diversos departamentos ministeriais que têm serviços periféricos regionais, como, alías, já anunciou.

Os serviços periféricos dos diversos ministérios em vez de actuarem cada um para seu lado intregrar-se-iam nas CCDR e agiriam de forma articulada, como sempre deveriam actuar. Importa dizer que isto é cumprir a Constituição (CRP), ainda que parcialmente. Na verdade, o princípio da desconcentração está expressamente consagrado no artigo 267.º da CRP ao lado do princípio da descentralização.

É certo que se o Governo tiver a coragem e a vontade de assim proceder será criticado e dir-se-á que criou regiões administrativas disfarçadas. É uma crítica que poderá rebater com facilidade, pois não se trata de criar regiões administrativas como autarquias locais, mas como entes desconcentrados (institutos públicos) o que a CRP permite e aconselha.

Reagirão violentamente os adversários da regionalização? Certamente. Mas isso é problema que terão de resolver, porque demonstrarão que, no fundo, não é só a descentralização regional que recusam, mas também a mera desconcentração regional.

Terá o Governo vontade firme de retirar poder ao centro, pois descentralização e desconcentração são, embora em medida diferente, isso mesmo? Os tempos mais próximos darão a resposta.

E será que esta desconcentração impede a prazo a descentralização regional? É claro que não. A desconcentração pode ser caminho seguro para a descentralização regional. Basta ter bem presente o conhecido exemplo francês. Será preciso recordá-lo?

Continuará a haver, no entanto, uma dificuldade para ir mais além, que é a redacção actual da Constituição. Esta é o maior trunfo dos adversários da criação de regiões administrativas pela incoerência de impor a criação de regiões (artigo 236.º, n.º 1) e depois criar as maiores dificuldades na sua instituição em concreto (artigo 256.º).

(Artigo de opinião publicado no Público, de 14-07-2022)