quinta-feira, 28 de julho de 2022

Criação de Freguesias: o perigo dos referendos locais

O Tribunal Constitucional deu recentemente “luz verde” para um referendo local com a seguinte pergunta: “Concorda com a separação da União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro?” (Ac. do TC n.º 452/2022). Nada contra esta decisão, que abre, do ponto de vista jurídico caminho para outras. Apenas pretendemos chamar a atenção para problemas de outra ordem.

A Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que se denomina de “criação, modificação e extinção de freguesias”, mas que regula principalmente a reposição de freguesias, na sequência da reforma territorial de 2013, tem várias armadilhas.

Uma delas reside no facto de a lei, por um lado, fazer depender a criação/reposição de uma freguesia da vontade política da população dessa freguesia, o que bem se compreende, mas, por outro lado, estabelecer que a vontade da freguesia em causa se apura através de deliberação da assembleia da união de freguesias de que faz parte. Ora, bem pode suceder que a freguesia que pretende ser criada tenha os requisitos que a Lei n.º 39/2021 exige, mas faça parte de uma união de freguesias em que haja uma outra mais forte em população, sendo natural que esta não tenha muita vontade na separação da freguesia ou freguesias mais pequenas.

Se assim acontecer, as possibilidades de êxito da freguesia a repor serão poucas e, porventura, ainda menores se ocorrer um referendo local sobre a matéria. Na verdade, no referendo não votam só os eleitores da freguesia a criar, mas votam todos o eleitores da união de freguesias e bem pode suceder que a maioria dos votantes se pronuncie contra a separação. Será necessária a boa vontade da freguesia maior para se operar a criação/reposição de freguesias mais pequenas, o que é inaceitável e vai contra o próprio espírito da lei.

Importa ainda dizer que esta lei, muito pouco clara e que modificou, certamente por lapso, a designação de centenas de freguesias, precisa urgentemente de revisão, sem prejuízo de continuar a ser aplicada, pois a alternativa é ficar tudo na mesma.

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 28-07-2022)