Para quem, na
esteira da conhecida e irónica frase de Churchill, considera que a democracia é “o pior dos regimes excepto
todos os outros”, afirmar a beleza da democracia aparecerá como algo
despropositado. E, no entanto, se bem pensarmos, a democracia é o melhor e mais
belo dos regimes que até hoje conhecemos. Justificar esta afirmação no espaço
que me é reservado neste jornal é um exercício difícil que, no entanto,
tentarei fazer, porque considero um dever.
A democracia
tem na base uma convicção firme de que todos nós, pessoas, somos iguais em
direitos e deveres. Esta afirmação é compatível com uma outra que diz o contrário, ou seja, que todos
somos diferentes, Não há uma pessoa igual a outra. Somos todos diferentes do
ponto de vista físico e mental. Mas essa
diferença não nos dá o direito de a
invocar, quando ela nos beneficia, para oprimir aquelas ou aqueles que têm
menos força ou inteligência ou saúde.
É aqui que
entra a democracia. É democrata aquela ou aquele que olha para o outro como
semelhante, como igual, e que o respeita como tal. Repare-se que isto não é natural, é antes uma
convicção assente, para quem tem fé cristã, na ideia de que todos somos filhos
de Deus e, portanto, irmãos, e para quem não a tem na ideia de que os seres
humanos merecem todos igual respeito, não havendo supremacia de uns sobre
outros, porque fazem todos parte da família humana.
Sabemos que
nem todos pensam assim. E que há pessoas que se consideram, por razões de força
física ou de superioridade moral, desde logo, baseada na inteligência, acima de
outros e que, por isso, estes lhes devem obedecer e até se atrevem a dizer que
devem obedecer (submeter) para seu bem…
Estas pessoas
afastam-se da democracia e tratam de impor a sua vontade. Constroem um regime
político baseado na superioridade de uns sobre outros. Arrogam-se o direito de
mandar e não suportam a ideia de igualdade.
A beleza da
democracia está aqui. Os democratas, que o são, de verdade , constroem um regime baseado na igualdade de
todos e, por isso, um regime político nos termos do qual o direito de mandar
é-lhes dado pelos seus iguais, através de eleições. Uma vez eleitos passam a
representá-los, não a dominá-los. Estão ao serviço das cidadãs e dos cidadãos e
de tal modo que não só periodicamente lhe pedem de novo o poder de mandar, como,
ao longo do mandato, prestam contas.
Mas essa
beleza continua através do facto de em democracia as ideias diferentes serem
respeitadas, desde que não atropelem os direitos e a dignidade de outros. Onde
não há respeito pela oposição, não há democracia.
E a beleza da
democracia manifesta-se finalmente quando
a sociedade que dela resulta é livre, justa e solidária; quando não há descanso
enquanto o outro, o nosso semelhante não
tem a vida digna que desejamos para nós.
Por isso a
democracia, está sempre em movimento e em construção , é um constante trabalho
de aperfeiçoamento, tendo em vista essa sociedade mais livre mais justa e mais
solidária em que os mais vulneráveis são ajudados e os mais dotados estão ao
seu serviço.
A democracia é
uma partilha e a construção de uma fraternidade que lhe serve de guia. Trata-se
de um objectivo nunca plenamente alcançado, mas sempre tentado.