Durante mais de metade
dos 40 anos da nossa democracia local, iniciada com as eleições de 12 de
dezembro de 1976, só os partidos podiam apresentar candidaturas às
eleições municipais. A abertura a candidaturas de cidadãos eleitores aos
municípios teve início nas eleições de 2001, depois da revisão
constitucional de 1997. Até então, apenas eram permitidas tais
candidaturas aos órgãos das freguesias.
A ideia subjacente à aceitação de candidaturas de independentes foi a
de alargar a participação eleitoral a cidadãos que, sem militância
partidária, pretendessem participar nos atos eleitorais locais, pondo
fim ao monopólio dos partidos. A ideia era boa e a sua consagração na
Constituição e na lei recebeu aplauso praticamente geral.
O que, porventura, não se previu foi um efeito colateral desta
abertura que consistiu no aparecimento de candidaturas não de
independentes, mas de militantes que não conseguiram o apoio do partido a
que estavam ligados.
Assim, o militante que entrasse em conflito com o seu partido passou
a poder encabeçar uma candidatura dita independente (“de cidadãos
eleitores”) para o que juntava outros militantes e, por arrasto, também
um número maior ou menor de independentes, em lugares mais ou menos
secundários. Pouco lhe importava que o seu partido apresentasse outra
lista. Lutaria contra ela!
Porque estas listas são independentes apenas porque não puderam ser
partidárias podemos dizer que são candidaturas de falsos independentes.
Aliás, frequentemente os candidatos dessas listas aproveitam a
oportunidade de voltar a candidatar-se pelo partido a que estavam
ligados quando as circunstâncias tal permitem. O êxito da sua
candidatura e um comportamento político não hostil ao partido a nível
nacional torna muito viável o regresso.
Estamos convencidos de que, se esta situação fosse devidamente
prevista e se respeitasse a intenção da lei, esta dificultaria uma
independência de última hora e impediria a candidatura, como
independentes, de cidadãos que estivessem inscritos em partidos até pelo
menos dois anos antes das eleições. Colocamos o prazo de dois anos e
não de um para impedir que, a cerca de um ano das eleições locais, a
pressão sobre os partidos por parte dos militantes inseguros fosse muito
forte e servisse de chantagem, mas o período de um ano não repugnaria
também.
Acrescente-se que essa lei, pelas mesmas razões, deveria também
impedir a candidatura de um militante por outro partido nas mesmas
circunstâncias, ou seja, o cidadão inscrito num partido não poderia
concorrer por outro partido se não se tivesse desfiliado há dois anos
(pelo menos um). Evitar-se-ia a corrida aos pequenos partidos pelas más
razões, situação que se verificava antes de 2001.
Dito isto, estamos cientes de que a vida partidária local está longe
de ser exemplar e que as escolhas dos partidos nem sempre parecem ser
as mais razoáveis para quem observa . Mas, quando tal sucede, o problema
deve ser resolvido internamente, pondo o partido a funcionar
devidamente e não utilizando um instrumento que, claramente, não foi
feito para resolver problemas internos de partidos. Sobre o
funcionamento interno dos partidos muito haveria, aliás, para dizer.
Constituiu-se em 2010 uma Associação dos Movimentos Autárquicos
Independentes. É uma associação democrática que bem se compreende porque
existem problemas que importa resolver e não são poucos. Salientamos,
desde logo, a inaceitável proibição da utilização de um símbolo
caraterizador da lista (desde que não confundível com partidos) e a luta
por uma diminuição do número de assinaturas necessárias para a
apresentação de listas para a câmara e para a assembleia municipal que,
actualmente é claramente excessivo.
Quer as candidaturas de partidos, quer de independentes são desejáveis, desde que genuínas.
in Jornal PÚBLICO