O espetáculo dado pelos defensores de uma maior descentralização do continente, a nível regional, é deprimente e muito satisfaz quem considera que o país está bem assim, centralizado, sem autarquias regionais, apesar da aparente obrigação constitucional de as criar.
Entre os que defendem que os problemas regionais do nosso país devem ser resolvidos a nível regional por pessoas que para tal tenham legitimidade, há fundamentalmente duas correntes.
Uma delas, a nosso ver, muito irrealista, quer que se avance já para a criação de regiões administrativas, cumprindo o que está previsto na Constituição, sem prestar atenção ao facto de esta defender a criação de regiões e o seu contrário. No artigo 236.º, n.º 2, a Constituição estabelece para o continente freguesias, municípios e regiões administrativas, não podendo, pois, ser mais clara. Mas, no artigo 256.º com a epígrafe “instituição em concreto” (das regiões), coloca, principalmente desde 1997, tantas dificuldades à criação delas que bem se pode afirmar que a Constituição está contra a regionalização. Tudo seria diferente se tivéssemos uma Constituição neutra que nem obrigasse, nem impedisse a criação de regiões administrativas, deixando essa tarefa para o legislador ordinário que a concretizaria (ou não) de acordo com os programas eleitorais, o resultado das eleições legislativas e de um eventual referendo facultativo. Não se compreende que o disparatado texto constitucional atual não seja, nesta matéria, objecto da dura crítica pública que bem merece.
Outra corrente defende uma transição progressiva, dando mais poderes às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e aumentando a legitimidade democrática destas até melhores dias. É uma posição possível , mas que tem esbarrado sobre o modo de a fazer. Quando se fala desta solução, seguindo o caminho da França nos anos setenta do século passado, após um referendo que rejeitou a regionalização proposta por Charles de Gaulle, surgem diversas formas de a concretizar, não havendo entendimento. A discussão que tem gerado uma lei acabada de publicar (Lei n.º 37/2020, de 17 de agosto) é bem exemplo disso.
Neste momento pede-se aos defensores de um melhor governo do país, através através da descentralização regional, que saibam respeitar aqueles que entendem que o melhor caminho para lá chegar é provisoriamente o da desconcentração que a Constituição não só permite como defende, como princípio estruturante da Administração Pública. no seu artigo 267.º, n.º 2. De outro modo, os defensores da centralização, que nem desta lei gostam e a vão atacar, agradecem!
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público, de 20-08-2020)