A revisão constitucional que está em andamento deve ser aberta à participação dos cidadãos e ter assim larga publicidade. Tal não significa que deva ocorrer uma modificação profunda da Constituição, pois a nosso ver não há motivo para tal.
A redacção actual da Constituição deve manter-se no essencial, mas isso não significa que não se possam fazer modificações que se tornam até necessárias para prestígio da Constituição.
Não prestigia a nossa Constituição afirmar rotundamente desde 1976 que as autarquias locais no continente são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (artigo 236.º) e estas não existirem.
Não prestigia e antes viola a Constituição afirmar que deve subsistir a divisão distrital enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, mantendo-se uma assembleia deliberativa e um governador civil (artigo 291.º) e tal não suceder.
A única forma que vemos de ultrapassar esta situação é retirar da Constituição a obrigatoriedade da criação de regiões administrativas e revogar o artigo 291.º.
Essa retirada não prejudica os adeptos da regionalização que têm, na actual redacção da Constituição, um obstáculo à criação das regiões com o enviesado referendo obrigatório introduzido em 1997 e não prejudica os adversários que vêm nesta um mal para o país.
De notar, no entanto, que este último argumento não colhe para aqueles adversários da regionalização que querem ter um amparo constitucional para a sua posição. Na verdade, o texto constitucional tal como está redigido não é neutro, favorecendo os adversários da regionalização. Para provar isso basta ver o que sucederia se a obrigatoriedade da regionalização fosse retirada da Constituição.
Se a regionalização fosse, como a nosso ver deveria ser, facultativa, ela só avançaria se, na sequência de eleições ou em momento considerado oportuno, um partido ou coligação de partidos avançasse com uma lei de criação de regiões, a aprovasse na Assembleia da República e ganhasse o referendo que naturalmente ocorreria por iniciativa dos seus adversários.
A regionalização teria assim o regime jurídico que tem qualquer questão importante que divide os portugueses. O que não tem sentido é manter na Constituição o que não existe e, pior, ainda regular a obrigatoriedade de criação de regiões de tal modo que no dizer do ilustre constitucionalista e actual Presidente da República “ É mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do Continente” (Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lex, Lisboa, 1999, p. 401)
Quem receia um regime jurídico da criação de regiões no qual adeptos e adversários estejam em situação de igualdade, não tendo na Constituição nem um obstáculo, nem um apoio? E quem quer manter no texto constitucional um artigo (291.º) que a lei violou?
(Jornal Público, 14 de Junho de 2023)