terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O teste à democracia de um Estado ou de um município

Estado ou município que persiga ou prejudique órgãos de comunicação ou pessoas, que exerçam o seu direito ( dever) de critica, bem podem dizer-se democráticos, mas não são ou, pelo menos, não praticam.
 

É curioso verificar a este propósito que a distância também conta muito. Já se reparou que é mais fácil criticar quem está longe seja na América, na Alemanha, na Inglaterra, na Rússia ou na China ou quem exerce o poder em Madrid ou em Lisboa do que titulares do poder local?

Já se reparou, devidamente, a facilidade com que, nos meios de comunicação social de âmbito local, colunistas criticam, para além de personalidades estrangeiras, o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo, os Ministros e outros titulares de altos cargos públicos e fazem silêncio sobre a actuação de presidentes de câmara, vereadores ou presidentes de junta, próximos?
 

Criticar nos meios de comunicação social, muitas vezes violentamente, quem está longe, não custa; já o mesmo não sucede quando o criticado está perto e ainda mais quando é nosso conhecido. Neste caso, é preciso pensar duas vezes o que se escreve, pois daí podem resultar custos e não pequenos a curto ou médio prazo. Por vezes, o criticado ou criticados têm boa memória e a resposta aparece tarde, mas aparece.
Munícipe que se atreva a criticar os titulares do poder local dentro do seu município está muitas vezes sujeito a sofrer consequências que nem sequer imaginava. Essas consequências podem ser duras, mas também tão simples como arrefecer contactos, desconsiderar ou marginalizar quem se atreveu a criticar.
 

É preciso deixar bem claro: o teste à democracia faz-se através da forma como é tratada a crítica e com ela a oposição.
 

Um aspecto muito interessante é verificar que são frequentemente os próprios meios de comunicação social os atingidos, pois, procurando ser independentes e imparciais ( como é dever de órgão de comunicação que se preze) acolhem, por vezes, textos ou opiniões que enfurecem os titulares de poder (às vezes enfurecem até mais os que giram à volta destes) e acabam por sofrer consequências, sendo a mais notória e frequente a diminuição ou até corte de publicidade.
 

A luta pela democracia - o melhor dos regimes que até hoje conhecemos, pois é o único que tem como fundamento a dignidade da pessoa – exige o respeito pelo exercício do poder, mas também o respeito pela crítica e pelos direitos da oposição. Tema a merecer continuada atenção.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 29-12-2020) 

domingo, 6 de dezembro de 2020

A regionalização e o nó que lhe foi dado

Como sabemos há defensores e adversários da regionalização, tendo ambos bons argumentos. Não ter em conta esta coisa tão evidente dificulta tudo. Havendo defensores e adversários, uns e outros têm o direito de defender e lutar pela sua posição, devendo essa luta desenrolar-se com igualdade de armas políticas.

A igualdade de armas exige que o debate e a votação sejam feitos na Assembleia da República, fazendo-se a regionalização apenas se os seus defensores ganharem a votação. Os adversários perdedores poderão, contudo, recorrer, se assim entenderem, ao referendo, mobilizando-se para o efeito e, se o ganharem, o processo não avança.

Porém, não é possível agir, assim, em Portugal nas atuais circunstâncias. Os adversários da regionalização têm, desde 1997, mais armas que os defensores, pois nem sequer precisam de se mobilizar para fazer um referendo. Este foi-lhes oferecido. É o único referendo obrigatório previsto na Constituição e isso faz toda a diferença.

Os defensores da criação de regiões têm de ganhar uma votação no Parlamento e de de seguida ganhar o referendo a nível nacional e a nível regional. Mais. Segundo algumas interpretações não basta ganhar o referendo a nível nacional . É preciso que votem mais de 50% dos eleitores, pois não se trata de um referendo qualquer, mas de um referendo obrigatório. Se a participação for baixa, a vitória não é suficiente. Será o Tribunal Constitucional, interpretando a Constituição, a ter a última palavra.

Ainda mais. Não basta ganhar o referendo a nível nacional, é preciso ganhá-lo em cada região. Se numa determinada região o voto for negativo, a região em causa não é criada. São precisas, pois, duas vitórias: a nacional e a regional.

Nenhum destes trabalhos têm os adversários. Basta-lhes ganhar o referendo a nível nacional e mesmo perdendo-o, ainda podem ter eventualmente a seu favor o Tribunal Constitucional, caso não tenham votado 50% dos eleitores. Vida muito mais fácil, pois.

A primeira luta dos defensores da regionalização deve ser claramente pela igualdade de armas, fazendo-se uma revisão constitucional cirúrgica. A democracia assim o exige. Se não perceberem isto, os defensores da criação de regiões aceitam lutar em desvantagem. Boa sorte!

 

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 06-12-2020)