segunda-feira, 31 de julho de 2023

A Assembleia da República e as Freguesias (DM. 28.07.23)

 

Acaba de sair o n.º 25 da Revista das Freguesias publicado pela AEDREL (Associação de Estudos de Direito Regional e Local), associação privada sem fins lucrativos, com sede em Braga.

                Este número (janeiro-junho de 2023) estará  disponível gratuitamente para todos os que a pretendam ler no sítio da AEDREL (www.aedrel.org) e chamamos a atenção para um artigo do investigador  Luís Filipe Mota de Almeida sobre o estado actual do procedimento especial de desagregação de freguesias no nosso país.

                A lei que regula esta matéria é de 2021 (Lei n.º 34/2021, de 24 de Junho)  e os leitores lembram-se da pressa  que ela exigia, obrigando as freguesias a apresentar propostas para  desfazer  “uniões” através de um procedimento “especial e simplificado” (artigo 25.º).

                Andaram “uniões de freguesia” a correr para apresentar tais projetos e assim entraram na Assembleia da República  até 21 de dezembro de 2022 (data limite)  163 propostas que estão nas mãos de uma comissão de trabalho constituída para as analisar.

                Não se compreende que, havendo pressa para apresentar propostas de desagregação, não haja igual pressa para decidir. Efectivamente não há e a lei está feita de modo a que a reposição de freguesias só ocorra pouco antes das eleições locais de 2025. A Assembleia da República  tem demonstrado pouco apreço pela vontade e pelo direito de autonomia dessas freguesias  e a responsabilidade é dos seus deputados.

                Importa dizer que o mapa das freguesias não ficará muito modificado pois acrescerão  apenas a ser aprovadas todas estas  propostas, segundo concluiu Luís Filipe Almeida,  206 novas freguesias. Ou seja,  de 3091 passariam para 3297 bem longe das 4259 freguesias que existiam antes da reforma. 

                Entretanto é possível e desejável que se apresentem mais propostas de desagregação, pois ainda há “uniões” que não fazem sentido e que importa desfazer. A lei permite que tal aconteça através de um processo ordinário  que ela regula desde que as freguesias em causa tenham condições para serem autónomas.

                Sabe-se que estão em preparação mais desagregações, mas também se sabe que não vai voltar tudo ao início à situação anterior a 2013 e bem. A reforma de 2013 tinha fundamento e não necessariamente por exigência da “Troika”, mas porque nunca se tinha feito uma reforma do mapa das freguesias do nosso país desde há séculos e havia algumas centenas delas demasiado pequenas que não tinham condições de viabilidade, nem se justificavam.

                Tivesse sido feita a reforma com critério e não assistiríamos a esta necessidade de corrigir a reforma. O critério deveria ser o de evitar freguesias demasiado pequenas e demasiado grandes, dando  ainda a atenção devida  às freguesias do interior.  Teríamos assistido  à anexação de muitas freguesias ( a chamada “união”) e ao mesmo tempo à criação de algumas outras.

O número total de freguesias teria diminuído seguramente mas com critério e bom senso. Bem pode perguntar-se, porque havemos de ter uniões de freguesias que não se justificam?

(Publicado no Diário do Minho, 28 de julho de 2023)

As eleições municipais em Espanha (breves apontamentos) (DM. 30.06.23)

 

Julgo que a grande maioria dos portugueses e os nossos  meios de comunicação social, particularmente locais e regionais,   deram  muito pouca atenção às eleições municipais que se realizaram em Espanha há cerca de um mês (28 de maio de 2023).

Foi pena, porque as eleições municipais no país e vizinho e, desde logo,  na Galiza deveriam merecer boa atenção até porque estamos sempre a falar nas relações entre o Norte de Portugal e a Galiza e deveríamos conhecer bem a realidade de ambas também neste aspecto, para aprendermos  uns com os outros.

É interessante verificar que há muitas diferenças entre a escolha dos eleitos em Portugal e na Espanha ainda que em ambos os países se tenha o mesmo ponto de partida. Os eleitores são chamados  de 4 em 4 anos por voto universal, directo e secreto a escolher os eleitos do respectivo município pelo sistema proporcional  e em ambos todas as atenções se centram na escolha do presidente da câmara (alcalde).

Mas para lá chegar os caminhos a percorrer são diferentes. Em Espanha os eleitores levam apenas um boletim de voto para eleger a assembleia municipal (pleno del ayuntamiento), sendo eleito alcalde o primeiro da lista mais votada desde que obtenha a maioria absoluta ou, não a tendo, desde que  consiga acordo com eleitos de outras forças políticas. Se não conseguir esse acordo bem pode suceder e sucede frequentemente que o primeiro da lista votada em segundo lugar, por exemplo,  consiga maior número de eleitos juntando os seus aos de outra ou outras forças política que ficaram em terceiro ou quarto lugar e então será ele o alcalde após votação na primeira reunião do pleno del ayuntamiento que ocorre alguns dias depois.

Em Portugal as coisas são bem diferentes, como sabemos. O eleitor leva dois boletins de voto para eleger pelo sistema proporcional não só a assembleia municipal como a câmara municipal e será decidido no mesmo dia quem será o presidente da câmara, pois é o primeiro da lista mais votada para a câmara municipal ainda que não tenha maioria absoluta. Está claro que se não tiver maioria absoluta vai ter certamente a vida mais difícil, mas não pode ser destronado.  Será sempre o presidente da câmara. Não existe em Portugal a moção de censura construtiva espanhola, nos termos da qual e a ser aprovada passará a ser alcalde o eleito nela indicado, destronando aquele que até então exercia o cargo.

Mas as diferenças continuam. No dia das eleições o pleno del ayuntamiento fica constituído por inteiro, enquanto à assembleia municipal portuguesa acrescem os presidente de junta de freguesia que foram eleitos nesse mesmo dia das eleições municipais, através de um terceiro boletim de voto para eleição dos órgãos da freguesia ( e todos os municípios têm freguesias que no Norte de Portugal costumam ser muitas). É uma originalidade portuguesa que implica que o número de membros da assembleia municipal seja, em regra, muito maior do que os do seu órgão congénere (pleno del ayuntamiento) em Espanha.

Por outro lado, enquanto o sistema de governo municipal permite que o alcalde escolha a sua equipa de governo, tal não sucede em Portugal. O presidente da câmara tem de se sujeitar a trabalhar com os membros que foram directamente eleitos para a câmara municipal pelo sistema proporcional e assim se não tiver maioria absoluta tem de governar em minoria ou procurar entendimentos com eleitos de outras forças políticas. Não é o melhor sistema para um órgão executivo que tem naturalmente por missão executar.

Um dos aspectos mais curiosos da diferença entre os dois sistemas de governo está no facto de o alcalde ser ao mesmo tempo o presidente do pleno del ayuntamiento e deste fazerem parte deste também os membros da equipa do alcalde. Isto permite que o alcalde possa votar, por exemplo, numa moção de censura que tem por finalidade derrubá-lo.

Diferentemente em Portugal há uma total separação entre os membros da assembleia municipal e os membros da câmara, desde logo o seu presidente. A câmara e o seu presidente estão obrigatoriamente  presentes nas reuniões da assembleia municipal mas não fazem parte dela e consequentemente não podem votar qualquer deliberação desta.

Mas a Espanha mostra mais afeição pela democracia ao dar a todos os grupos municipais que compõem o pleno del ayuntamiento, e assim aos da oposição,  o  direito efectivo de terem pessoal de apoio.

Uma nota final neste texto muito breve e naturalmente incompleto para dizer que enquanto em Portugal há limitação de mandatos ( o presidente da câmara não pode exercer no mesmo município esse cargo por mais de três mandatos consecutivos) em Espanha tal não sucede e o alcalde de Vigo foi recentemente eleito para o quinto mandato consecutivo. Aliás em Espanha há cerca de vinte alcaldes que não mudaram desde as primeiras eleições de 1979.

 

                               ( Diário do Minho, 30 de junho de 2023)

domingo, 2 de julho de 2023

As eleições municipais em Espanha (breves apontamentos)

Julgo que a grande maioria dos portugueses e os nossos meios de comunicação social, particularmente locais e regionais, deram muito pouca atenção às eleições municipais que se realizaram em Espanha há cerca de um mês (28 de maio de 2023).

Foi pena, porque as eleições municipais no país e vizinho e, desde logo, na Galiza deveriam merecer boa atenção até porque estamos sempre a falar nas relações entre o Norte de Portugal e a Galiza e deveríamos conhecer bem a realidade de ambas também neste aspecto, para aprendermos uns com os outros.

É interessante verificar que há muitas diferenças entre a escolha dos eleitos em Portugal e na Espanha ainda que em ambos os países se tenha o mesmo ponto de partida. Os eleitores são chamados de 4 em 4 anos por voto universal, directo e secreto a escolher os eleitos do respectivo município pelo sistema proporcional e em ambos todas as atenções se centram na escolha do presidente da câmara (alcalde).

Mas para lá chegar os caminhos a percorrer são diferentes. Em Espanha os eleitores levam apenas um boletim de voto para eleger a assembleia municipal (pleno del ayuntamiento), sendo eleito alcalde o primeiro da lista mais votada desde que obtenha a maioria absoluta ou, não a tendo, desde que consiga acordo com eleitos de outras forças políticas. Se não conseguir esse acordo bem pode suceder e sucede frequentemente que o primeiro da lista votada em segundo lugar, por exemplo, consiga maior número de eleitos juntando os seus aos de outra ou outras forças política que ficaram em terceiro ou quarto lugar e então será ele o alcalde após votação na primeira reunião do pleno del ayuntamiento que ocorre alguns dias depois.

Em Portugal as coisas são bem diferentes, como sabemos. O eleitor leva dois boletins de voto para eleger pelo sistema proporcional não só a assembleia municipal como a câmara municipal e será decidido no mesmo dia quem será o presidente da câmara, pois é o primeiro da lista mais votada para a câmara municipal ainda que não tenha maioria absoluta. Está claro que se não tiver maioria absoluta vai ter certamente a vida mais difícil, mas não pode ser destronado. Será sempre o presidente da câmara. Não existe em Portugal a moção de censura construtiva espanhola, nos termos da qual e a ser aprovada passará a ser alcalde o eleito nela indicado, destronando aquele que até então exercia o cargo.

Mas as diferenças continuam. No dia das eleições o pleno del ayuntamiento fica constituído por inteiro, enquanto à assembleia municipal portuguesa acrescem os presidente de junta de freguesia que foram eleitos nesse mesmo dia das eleições municipais, através de um terceiro boletim de voto para eleição dos órgãos da freguesia ( e todos os municípios têm freguesias que no Norte de Portugal costumam ser muitas). É uma originalidade portuguesa que implica que o número de membros da assembleia municipal seja, em regra, muito maior do que os do seu órgão congénere (pleno del ayuntamiento) em Espanha.

Por outro lado, enquanto o sistema de governo municipal permite que o alcalde escolha a sua equipa de governo, tal não sucede em Portugal. O presidente da câmara tem de se sujeitar a trabalhar com os membros que foram directamente eleitos para a câmara municipal pelo sistema proporcional e assim se não tiver maioria absoluta tem de governar em minoria ou procurar entendimentos com eleitos de outras forças políticas. Não é o melhor sistema para um órgão executivo que tem naturalmente por missão executar.

Um dos aspectos mais curiosos da diferença entre os dois sistemas de governo está no facto de o alcalde ser ao mesmo tempo o presidente do pleno del ayuntamiento e deste fazerem parte deste também os membros da equipa do alcalde. Isto permite que o alcalde possa votar, por exemplo, numa moção de censura que tem por finalidade derrubá-lo.

Diferentemente em Portugal há uma total separação entre os membros da assembleia municipal e os membros da câmara, desde logo o seu presidente. A câmara e o seu presidente estão obrigatoriamente presentes nas reuniões da assembleia municipal mas não fazem parte dela e consequentemente não podem votar qualquer deliberação desta.

Mas a Espanha mostra mais afeição pela democracia ao dar a todos os grupos municipais que compõem o pleno del ayuntamiento, e assim aos da oposição, o direito efectivo de terem pessoal de apoio.

Uma nota final neste texto muito breve e naturalmente incompleto para dizer que enquanto em Portugal há limitação de mandatos ( o presidente da câmara não pode exercer no mesmo município esse cargo por mais de três mandatos consecutivos) em Espanha tal não sucede e o alcalde de Vigo foi recentemente eleito para o quinto mandato consecutivo. Aliás em Espanha há cerca de vinte alcaldes que não mudaram desde as primeiras eleições de 1979.

(Publicado no Diário do Minho em 30 de junho de 2023)