Vinha resistindo a contar como vivi o dia 25 de Abril de 1974 (uma quinta-feira), mas o facto de este artigo dever sair na quinta-feira de 25 de Abril de 2024, venceu essa resistência.
Em 1974, exercia funções de Delegado do Procurador da República no Tribunal Judicial de Braga, no velho edifício do Campo da Vinha, que ainda hoje tem as paredes - só as paredes - ao alto.
Nesse dia 25, a meio da manhã, vindo do meu local de trabalho no piso superior do Tribunal, entrei no gabinete do Dr. Juiz José Marques para tratar de um assunto de trabalho e reparei que entre ele e um advogado, o Dr. Jaime Lemos, havia uma conversa em que se falava de uma movimentação militar em curso. Perguntava o Dr. Juiz de que lado ela era e respondia o Dr. Jaime de Lemos que não sabia ao certo, mas que, pelas canções na rádio (Grândola Vila Morena), lhe parecia ser de esquerda. Não ouvi mais nada. Despedi-me com a pressa e a delicadeza possíveis e fui directo para o meu automóvel saber o que se estava a passar.
Perguntar-me-ão, porque não soube mais cedo, até porque tinha vindo, como de costume, de automóvel de Famalicão para Braga e tinha rádio. A resposta é simples: eu, que ainda hoje estou diariamente atento às notícias de Portugal e do Mundo, estava de relações cortadas com todos os noticiários desde o dia 17 de março de 1974 quando soube do insucesso da revolta das Caldas da Rainha no dia anterior. E o corte era tão grande que nem o rádio abria. Pensei que não seria tão cedo que teríamos uma mudança de regime em Portugal. Bem enganado estava e que bom engano.
Não larguei a ligação ao rádio ( do automóvel e depois de casa) até cerca de uma hora da noite para ir ver numa TV vizinha (ainda não tinha televisão em casa) a proclamação da Junta de Salvação Nacional lida pelo General Spínola com Costa Gomes a seu lado.
O 25 de Abril de 1974, que foi uma revolução bonita que ditou o derrube de uma ditadura (alguns chamavam-lhe regime autoritário, mas não há meio termo entre ditadura e democracia), trouxe a liberdade e abriu caminho para a construção da democracia. Não foi fácil construir a democracia tal como ela deve ser entendida, mas fez-se. A história desses tempos está escrita e aqui salientamos apenas quatro datas que tem de comum o mesmo dia.
A primeira foi a bela e muito corajosa Revolução de 25 de Abril de 1974 que colocou cravos na ponta do cano das espingardas, derrubando um regime sem disparar um tiro contra pessoas.
A segunda foi a manifestação da livre vontade dos portugueses , no dia 25 de Abril de 1975, numas eleições como nunca houve em Portugal pela participação (mais de 90% dos eleitores), pela transparência e lisura com que decorreram .
A terceira foi a entrada em vigor do regime democrático com as eleições legislativas de 25 de Abril de 1976 e que deu lugar ao 1.º Governo Constitucional e aos sucessivos governos democráticos.
A quarta é a data de hoje, 25 de Abril de 2024, que nos lembra que, afinal, o nosso país estava preparado para viver em democracia ( há 50 anos muitos pensavam e diziam o contrário) e lembra também que a democracia está sempre em aperfeiçoamento e só será cumprida por inteiro quando todos os cidadãos tiverem direito, em liberdade, a uma vida digna, o que significa usufruir dos direitos fundamentais que constam da nossa Constituição, desde os direitos de liberdade, aos direitos sociais, económicos e culturais.
(DM-25-4-2024)