Aliás, importa lembrar que essa mesma troika deixou cair a redução do número de municípios que o memorandum impunha. A reforma fez-se por vontade do Governo de então e não por imposição. Acresce que os Açores e a Madeira opuseram-se e não se tocaram nas suas freguesias, sem que tivessem sofrido qualquer represália.
E disto isto, sempre dissemos – e mantemos ainda hoje – que uma reforma deveria ser feita, pois as nossas freguesias, ao contrário dos municípios, não tinham sido objecto de reforma desde a sua entrada na organização administrativa portuguesa na primeira metade do século XIX. Havia razões para fazer uma reforma das freguesias porque centenas delas eram tão pequenas que não se justificava a sua existência e, já agora, havia outras tão grandes que bem poderiam ser divididas.
O que falhou em 2013 foi o critério adoptado. Este consistiu fundamentalmente em cortar o número de freguesias sem racionalidade. Para ver essa irracionalidade basta dizer, a título de exemplo, que há hoje, aqui bem perto, uma freguesia constituída por duas cidades e uma freguesia constituída por duas vilas; por outro lado, a sul do Tejo há uma freguesia que ficou maior do que a ilha da Madeira. Tudo isto sem esquecer a criação de muitas mega-freguesias e da extinção de freguesias que tinham todas as condições para continuarem, com a agravante de verem, ao lado, freguesias mais pequenas mantidas sem alteração.
O critério podia ser outro? Podia e devia. Bastava nortear-se pelo princípio de que as freguesias são, como sempre foram, entes de proximidade que não devem ser demasiado grandes, nem demasiado pequenas. Demasiado grandes perdem a proximidade entre eleitores e eleitos; demasiado pequenas não têm condições para exercer devidamente as suas funções. Se se aplicasse este critério desapareceriam centenas de freguesias e criar-se-iam algumas muito poucas. O saldo final não seria muito diferente do actual e teríamos um mapa de freguesias bem equilibrado.
Há agora a possibilidade, através da Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho, de reparar muitos dos erros de 2013 se houver vontade política e legislativa de os reparar, o que não é seguro. Se as freguesias indevidamente extintas assim quiserem – e o bom senso imperar – ainda é possível chegar às eleições autárquicas de setembro/outubro de 2025 com muitos erros corrigidos. Mas o tempo é curto. A restauração das freguesias tem de ser feita, por força da lei, até março/abril de 2025 (seis meses antes da data de eleições), faltando, assim, menos de um ano. Acresce, além deste prazo já curto, haver o risco (ainda que não desejado, pois o nosso país não lucra com eleições sucessivas) de a actual Assembleia da República ser dissolvida, o que irá atrasar, talvez sem reparação, o processo de restauração.
Importa, pois, que sem demora se avancem com os procedimentos de restauração de freguesias (a lei chama-lhes erradamente "criação"): quer pela via especial dita simplificada (artigo 25.º) e, quanto a estes, que já estão na Assembleia da República (AR), pouco se tem falado; quer pela via normal e estes devem entrar na AR o quanto antes (no limite até princípios de Setembro deste ano). Não há tempo a perder!
(Em Diário do Minho, 11/04/24 – texto revisto depois de publicado)