quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Freguesias: a reforma da reforma

Para reverter a reforma, a primeira preocupação deve ser a de apresentar um conceito de freguesia e trabalhar a partir dele. Deve, depois, ter-se em conta as particularidades das freguesias urbanas e das freguesias rurais e ter em atenção as diferenças que resultam do litoral e do interior do nosso país.

É necessário, entretanto, fazer uma reforma da reforma? É. Deve ser feita à pressa? Não! Muitas agregações feitas foram casamentos à força e podem ser desfeitas até 2021, mas nada deve impedir que o processo de reforma continue depois dessa data, tendo também em atenção alterações de limites de freguesias que se tornam necessários e que até se criem novas freguesias. Falta-nos uma lei de criação, extinção e modificação das freguesias que a Constituição determina e não temos.

Uma atenção especial, por outro lado, devem merecer as freguesias urbanas.
Há quem julgue que nas grandes cidades não deve haver freguesias, mas não se pode esquecer que nas grandes cidades europeias há a preocupação de aproximar a gestão destas da respectiva população, estabelecendo entes inframunicipais, muitas vezes eleitos democraticamente. Nós já temos esse trabalho feito. Temos as freguesias. De qualquer modo, há aqui espaço para um debate interessante.

A reforma territorial das freguesias de 2013 foi efectuada com a oposição generalizada das freguesias e dos municípios do nosso país e das respectivas associações representativas.
A reforma, note-se, tinha razão de ser, pois, desde há mais de 200 anos que não se tinha tocado na organização territorial das freguesias em geral, havendo bom número delas com muito pouca população e outras com demasiada. Porém, o modo como foi realizada deixou muito a desejar. Foi feita, fundamentalmente, através de cortes percentuais do número de freguesias de cada município, daí resultando efeitos nocivos.

Vejamos dois exemplos concretos, um a norte e outro a sul.
A que título, no município de Matosinhos, se juntou, à força, a freguesia e cidade de Senhora da Hora com a freguesia e cidade de São Mamede de Infesta, ambas com mais de 20.000 habitantes, para formar uma nova freguesia que tem, agora, cerca de 50.000 residentes? E que necessidade havia de obrigar o município do Seixal, que tinha mais de 130.000 habitantes e apenas seis freguesias, a ? car com quatro? Partiu-se para a reforma com uma ideia completamente errada, que era a de que havia em Portugal freguesias a mais, apresentando-se o concelho de Barcelos com as suas 89 freguesias, como exemplo, mas não se dizendo, como devia, que mais de metade dos municípios em Portugal tinham menos de dez freguesias e que cerca de 80% tinham menos de 20 freguesias. Ora, para municípios portugueses que têm em média 300 km2 e mais de 30.000 habitantes, ter dez freguesias e mesmo 20 não é seguramente ter freguesias a mais. Podem ter outros problemas, como freguesias demasiado pequenas e despovoadas, mas freguesias a mais, não! O principal erro da reforma de 2013 foi não ter uma ideia de freguesias devidamente explicitada. As freguesias sempre foram, em Portugal, um ente de proximidade, com pequenas despesas financeiras, criada para resolver problemas das comunidades locais e isso implicava que não fossem nem demasiado grandes, nem demasiado pequenas. Uma freguesia demasiado grande descaracteriza-se, pois perde-se a ligação entre eleitos e eleitores e uma freguesia demasiado pequena não é viável, não pode cumprir bem a sua missão como ente público.

Muitas agregações feitas foram casamentos à força e podem ser desfeitas até 2021


(Artigo de opinião publicado no Jornal Público e no Jornal Público Online de 23-8-2018)