O presidente da Câmara Municipal da Guarda
não autorizou a “utilização do Teatro Municipal ou de outro equipamento
público” para a realização de uma assembleia extraordinária convocada para o
dia 11 de maio de 2020, tendo como ponto único o tema “Perspetivar o Futuro”.
Invocou para tal o estado de calamidade que vigora no nosso país e que, no seu
entender, impediria tal realização.
Podia o presidente proceder como procedeu?
Não cuida este texto breve de outros detalhes e cinge-se ao acima exposto. A
relação entre a assembleia municipal e a câmara municipal, incluindo o
respetivo presidente, é uma relação de supremacia, pois cabe à assembleia
municipal deliberar sobre os principais assuntos do município, quase sempre sob
proposta da câmara, e fiscalizar a atividade desta.
A câmara municipal e o seu presidente
prestam contas perante a assembleia e a Constituição prevê mesmo o poder de
destituição da câmara, desde 1997, tardando apenas a lei que concretizará esse
poder. Este é o resultado do nosso sistema de democracia local que estabelece a
assembleia municipal como órgão máximo do município.
A assembleia atua por várias formas, sendo
a mais comum a realização de sessões ordinárias e extraordinárias. Para exercer
a sua missão, a assembleia precisa de conhecer bem os problemas do município e
por isso é livre de tomar iniciativas nesse sentido, de que são exemplo a
realização de sessões extraordinárias. Só conhecendo bem os assuntos do
município a assembleia pode fiscalizar a ação ou omissão da câmara municipal e do
mesmo modo deliberar bem sobre as numerosas propostas que lhe são apresentadas.
Assim sendo, pergunta-se: pode o órgão
sujeito a fiscalização impedir o órgão fiscalizador de exercer a sua função,
interferindo no poder da assembleia de convocar, por exemplo, reuniões
extraordinárias? Pode a câmara ou o seu presidente apreciar a bondade da
convocação da assembleia, considerando que ela não é legal, oportuna ou
urgente? Pode impedir a utilização de um espaço público municipal considerado
pela assembleia como adequado para a realização da sessão? A nosso ver, não
pode, cometendo uma ilegalidade grave. A permitir-se um tal poder, estaria a
subverter-se o funcionamento da democracia local.
A apreciação da legalidade é da
responsabilidade da assembleia municipal e se praticar uma ilegalidade,
responde por ela. O presidente da câmara poderia apenas chamar a atenção para a
ilegalidade que a seu ver estava a ser cometida e solicitar a intervenção do
Governo, como entidade de tutela administrativa, nos termos da Constituição.
Uma palavra final sobre o dever de
cooperação entre a assembleia e a câmara municipal. Os respetivos presidentes e
restantes membros têm o dever de procurar entendimentos, até ao limite, na
relação entre os dois órgãos para bem do município. A legitimidade direta de
ambos os órgãos e a compreensão do que é a democracia a isso obrigam.
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público Online, de 28-05-2020)