As freguesias entraram na organização administrativa portuguesa no século XIX, depois da implantação do liberalismo (1820), por se considerar conveniente que houvesse “em todas as paróquias” uma junta escolhida pelos vizinhos para cuidar dos assuntos que fossem de “interesse puramente local“ (Decreto de 26 de novembro de 1830).
As paróquias também denominadas freguesias eram na altura mais de 4.000 e com pequenas oscilações assim se mantiveram até 2013, ultrapassando a separação da Igreja do Estado em 1910 e a aprovação da Constituição da República em 1976.
Depois de 1976, as freguesias foram objecto, em termos de estrutura territorial, de particular atenção em quatro momentos legislativos. Em 1982 foi publicada a primeira lei-quadro de criação de novas freguesias, tendo em conta principalmente a população e equipamentos. Em 1993, a segunda lei revogou a primeira e tornou mais exigentes os critérios de criação. Ao abrigo destas leis foram criadas largas dezenas de freguesias.
Em 2013, num período de grave crise financeira, foram publicadas duas leis que seguiram em sentido inverso, extinguindo, sem um critério razoável e com larga oposição das autarquias locais, mais de mil freguesias (eram 4259 passaram a ser 3091) e revogando, sem a substituir, a lei-quadro de criação de freguesias de 1993, provocando, desse modo, uma inconstitucionalidade por omissão.
Em 2021, foi publicada nova lei (Lei n.º 39/2021, de 24 de junho) que se propõe definir o “regime jurídico de criação, extinção e modificação de freguesias”, estando em linha com as leis de 1982 e 1993. Mas, tal como estas duas leis, cuida apenas do regime de criação, ignorando o regime de extinção e modificação. Quanto aos requisitos, a lei segue, no essencial, critérios que se mostram razoáveis, mas quanto ao procedimento de criação afasta-se profundamente delas, mostrando-se vinculada às leis de 2013.
A lei-quadro agora em vigor dificulta seriamente a criação de novas freguesias ao exigir nomeadamente a aprovação delas por parte das assembleias das freguesias e dos municípios de origem, o que até agora não acontecia. Acresce que prevendo um procedimento especial e simplificado de criação de novas freguesias, tal procedimento é tão minucioso como o procedimento geral e, pior ainda, a lei apenas prevê expressamente eleições para os órgãos das novas freguesias em 2025, independentemente do procedimento seguido, ficando-se sem saber a utilidade do procedimento especial que deve iniciar-se obrigatoriamente ainda este ano de 2022.
Impõe-se, por isso, a correcção desta lei, sem prejuízo do início da sua aplicação, pois os erros que possui podem e devem ser oportunamente corrigidos pela Assembleia da República.
(Artigo de opinião em co-autoria com Fernanda Paula Oliveira, Carlos José Batalhão e Luís Filipe Almeida, publicado no Público, de 18-03-2022)