Julgo que a grande
maioria dos portugueses e os nossos
meios de comunicação social, particularmente locais e regionais, deram muito pouca atenção às eleições municipais que
se realizaram em Espanha há cerca de um mês (28 de maio de 2023).
Foi pena,
porque as eleições municipais no país e vizinho e, desde logo, na Galiza deveriam merecer boa atenção até
porque estamos sempre a falar nas relações entre o Norte de Portugal e a Galiza
e deveríamos conhecer bem a realidade de ambas também neste aspecto, para
aprendermos uns com os outros.
É interessante
verificar que há muitas diferenças entre a escolha dos eleitos em Portugal e na
Espanha ainda que em ambos os países se tenha o mesmo ponto de partida. Os
eleitores são chamados de 4 em 4 anos
por voto universal, directo e secreto a escolher os eleitos do respectivo
município pelo sistema proporcional e em
ambos todas as atenções se centram na escolha do presidente da câmara
(alcalde).
Mas para lá
chegar os caminhos a percorrer são diferentes. Em Espanha os eleitores levam
apenas um boletim de voto para eleger a assembleia municipal (pleno del
ayuntamiento), sendo eleito alcalde o primeiro da lista mais votada desde que
obtenha a maioria absoluta ou, não a tendo, desde que consiga acordo com eleitos de outras forças
políticas. Se não conseguir esse acordo bem pode suceder e sucede
frequentemente que o primeiro da lista votada em segundo lugar, por exemplo, consiga maior número de eleitos juntando os
seus aos de outra ou outras forças política que ficaram em terceiro ou quarto
lugar e então será ele o alcalde após votação na primeira reunião do pleno del
ayuntamiento que ocorre alguns dias depois.
Em Portugal as
coisas são bem diferentes, como sabemos. O eleitor leva dois boletins de voto
para eleger pelo sistema proporcional não só a assembleia municipal como a
câmara municipal e será decidido no mesmo dia quem será o presidente da câmara,
pois é o primeiro da lista mais votada para a câmara municipal ainda que não
tenha maioria absoluta. Está claro que se não tiver maioria absoluta vai ter
certamente a vida mais difícil, mas não pode ser destronado. Será sempre o presidente da câmara. Não
existe em Portugal a moção de censura construtiva espanhola, nos termos da qual
e a ser aprovada passará a ser alcalde o eleito nela indicado, destronando
aquele que até então exercia o cargo.
Mas as
diferenças continuam. No dia das eleições o pleno del ayuntamiento fica
constituído por inteiro, enquanto à assembleia municipal portuguesa acrescem os
presidente de junta de freguesia que foram eleitos nesse mesmo dia das eleições
municipais, através de um terceiro boletim de voto para eleição dos órgãos da
freguesia ( e todos os municípios têm freguesias que no Norte de Portugal
costumam ser muitas). É uma originalidade portuguesa que implica que o número
de membros da assembleia municipal seja, em regra, muito maior do que os do seu
órgão congénere (pleno del ayuntamiento) em Espanha.
Por outro
lado, enquanto o sistema de governo municipal permite que o alcalde escolha a
sua equipa de governo, tal não sucede em Portugal. O presidente da câmara tem
de se sujeitar a trabalhar com os membros que foram directamente eleitos para a
câmara municipal pelo sistema proporcional e assim se não tiver maioria
absoluta tem de governar em minoria ou procurar entendimentos com eleitos de
outras forças políticas. Não é o melhor sistema para um órgão executivo que tem
naturalmente por missão executar.
Um dos
aspectos mais curiosos da diferença entre os dois sistemas de governo está no
facto de o alcalde ser ao mesmo tempo o presidente do pleno del ayuntamiento e
deste fazerem parte deste também os membros da equipa do alcalde. Isto permite
que o alcalde possa votar, por exemplo, numa moção de censura que tem por
finalidade derrubá-lo.
Diferentemente
em Portugal há uma total separação entre os membros da assembleia municipal e
os membros da câmara, desde logo o seu presidente. A câmara e o seu presidente estão
obrigatoriamente presentes nas reuniões
da assembleia municipal mas não fazem parte dela e consequentemente não podem
votar qualquer deliberação desta.
Mas a Espanha
mostra mais afeição pela democracia ao dar a todos os grupos municipais que
compõem o pleno del ayuntamiento, e assim aos da oposição, o
direito efectivo de terem pessoal de apoio.
Uma nota final
neste texto muito breve e naturalmente incompleto para dizer que enquanto em
Portugal há limitação de mandatos ( o presidente da câmara não pode exercer no
mesmo município esse cargo por mais de três mandatos consecutivos) em Espanha
tal não sucede e o alcalde de Vigo foi recentemente eleito para o quinto
mandato consecutivo. Aliás em Espanha há cerca de vinte alcaldes que não
mudaram desde as primeiras eleições de 1979.
(
Diário do Minho, 30 de junho de 2023)