O título deste texto – Nem Sempre o voto é democrático - precisa de uma clarificação, pois estamos habituados a dizer que o voto é a maior afirmação da democracia. O que de seguida queremos comprovar é que o voto é uma afirmação da democracia… se realmente for.
Julgamos ser
fácil explicar o título, se partirmos de um conceito adequado de democracia como
o que resulta da nossa Constituição e de textos fundamentais nesta matéria tais como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e da Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia, de 2016.
A democracia é
um regime político baseado na dignidade da pessoa, na vontade popular e na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária como estabelece o artigo 1.º
da nossa Constituição e resulta também dos textos internacionais acima
referidos. Estes elementos não podem ser dissociados. O fundamento da
democracia é a aceitação de que cada pessoa tem uma eminente dignidade que não
pode ser posta em causa. Essa dignidade exige a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária. A vontade popular é o meio utilizado para a
construção dessa sociedade, uma vez que não há uma única via para o efeito e os
cidadãos dividem-se sobre qual é a melhor.
A vontade
popular exprime-se essencialmente no voto devidamente informado, que resulta de eleições livres ( e também do
referendo) , mas aqui é preciso ter em conta que o voto nem sempre é expressão
de vontade democrática e pode ser utilizado até
para destruir a democracia. Basta que se vote em listas que porventura
não sejam garantia da defesa do regime democrático.
Todos
conhecemos exemplos históricos de
utilização do voto para chegar ao poder e depois estabelecer ditaduras à
esquerda ou à direita. Neste contexto, é da maior importância conhecer bem os
partidos que disputam eleições para apreciar o seu respeito pela democracia.
Não é uma tarefa fácil, pois raramente os partidos se apresentam como não
democratas. Em regra, disfarçam essa sua característica e afirmam, com maior ou
menor veemência, o seu apego à democracia.
O teste da
democracia de um partido é fácil de fazer quando ele, sem perder a sua
identidade, já esteve no poder e deixou de estar por virtude de outra eleição
ou pela perda de uma moção de confiança ou por uma moção de censura. Também
merece confiança o partido que, não tendo estado no poder, se apresenta a
eleições com um programa que não deixa margem para dúvidas quanto à sua
democraticidade, reforçada ainda por ter uma prática política indiscutivelmente
democrática.
O problema
começa a surgir quando um partido se apresenta como o melhor de todos, como o
único que merece o voto dos cidadãos. Quando tal sucede, quando um partido não
reconhece outros como iguais há boas razões para desconfiar. É que, uma vez
obtido o poder por um partido realmente não democrático, o disfarce cai e com
ele a democracia. O voto nesses partidos
é um voto contra a democracia, não é um voto democrático.
Mas também
deve dizer-se que a democracia corre sérios riscos e pode cair se os partidos
democráticos não forem exemplo de democracia. E não o são se se degradarem e acolherem,
dentro deles, vícios como a corrupção, por
exemplo, pois esta nunca será caminho para uma sociedade, livre, justa e
solidária.
(DM – 28.3.24)