quinta-feira, 28 de março de 2024

Nem sempre o voto é democrático

             O título deste texto – Nem Sempre o voto é democrático -  precisa de uma clarificação, pois estamos  habituados a dizer que o voto é a maior afirmação da democracia. O que de seguida queremos comprovar é que o voto é uma afirmação da democracia… se realmente  for.

Julgamos ser fácil explicar o título, se partirmos de um conceito adequado de democracia como o que resulta da nossa Constituição e de textos fundamentais  nesta matéria tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2016.

A democracia é um regime político baseado na dignidade da pessoa, na vontade popular e na construção de uma sociedade livre, justa e solidária como estabelece o artigo 1.º da nossa Constituição e resulta também dos textos internacionais acima referidos. Estes elementos não podem ser dissociados. O fundamento da democracia é a aceitação de que cada pessoa tem uma eminente dignidade que não pode ser posta em causa. Essa dignidade exige a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A vontade popular é o meio utilizado para a construção dessa sociedade, uma vez que não há uma única via para o efeito e os cidadãos dividem-se sobre qual é a melhor.

A vontade popular exprime-se essencialmente no voto devidamente informado,  que resulta de eleições livres ( e também do referendo) , mas aqui é preciso ter em conta que o voto nem sempre é expressão de vontade democrática e pode ser utilizado até  para destruir a democracia. Basta que se vote em listas que porventura não sejam garantia da defesa do regime democrático.

Todos conhecemos exemplos históricos  de utilização do voto para chegar ao poder e depois estabelecer ditaduras à esquerda ou à direita. Neste contexto, é da maior importância conhecer  bem  os partidos que disputam eleições para apreciar o seu respeito pela democracia. Não é uma tarefa fácil, pois raramente os partidos se apresentam como não democratas. Em regra, disfarçam essa sua característica e afirmam, com maior ou menor veemência, o seu apego à democracia.

O teste da democracia de um partido é fácil de fazer quando ele, sem perder a sua identidade, já esteve no poder e deixou de estar por virtude de outra eleição ou pela perda de uma moção de confiança ou por uma moção de censura. Também merece confiança o partido que, não tendo estado no poder, se apresenta a eleições com um programa que não deixa margem para dúvidas quanto à sua democraticidade, reforçada ainda por ter uma prática política indiscutivelmente democrática.

O problema começa a surgir quando um partido se apresenta como o melhor de todos, como o único que merece o voto dos cidadãos. Quando tal sucede, quando um partido não reconhece outros como iguais há boas razões para desconfiar. É que, uma vez obtido o poder por um partido realmente não democrático, o disfarce cai e com ele a democracia.  O voto nesses partidos é um voto contra a democracia, não é um voto democrático.

Mas também deve dizer-se que a democracia corre sérios riscos e pode cair se os partidos democráticos não forem exemplo de democracia. E não o são se se degradarem e acolherem, dentro deles,  vícios como a corrupção, por exemplo, pois esta nunca será caminho para uma sociedade, livre, justa e solidária.

(DM – 28.3.24)