quarta-feira, 18 de março de 2015

Negócios Urbanísticos

Os municípios têm uma forma estranha de obter, a título gratuito, terrenos de que precisam para fins de interesse público, que consiste em oferecer capacidade construtiva. As coisas passam-se, com algumas variantes, assim: o município aborda o proprietário do terreno ou terrenos e este, frequentemente uma empresa, depois de longas negociações, oferece de imediato a parte do terreno que o município pretende a custo zero, recebendo em troca capacidade construtiva para a parte restante. 
É evidente que esta capacidade construtiva que o município oferece não é a normal, ou seja, aquela a que o proprietário tem direito, pois para essa não seria preciso oferecer nada em troca. A capacidade construtiva oferecida é a que os particulares não têm direito ou porque o terreno não permite construção ou porque permite pouca. 
O município compromete-se, pois, a arranjar essa capacidade construtiva, ora alterando o plano diretor municipal, ora elaborando um plano de urbanização ou de pormenor ou de outra forma. O problema é dele. 
Este negócio, pois de um negócio se trata, é, em regra, reduzido a escrito, com o devido apoio jurídico e o proprietário tem o cuidado de se precaver para a eventualidade de o município não cumprir a sua parte, incluindo no contrato a previsão de uma adequada indemnização caso o município, dentro de um certo prazo, não coloque ao seu dispor a capacidade construtiva acordada, coisa muito provável, pois o município está a oferecer o que não tem e em prazo curto. 
Estes contratos, que têm, pelo menos aparentemente, vantagens para ambas as partes, precisavam O município aborda o proprietário do terreno ou terrenos e este, frequentemente uma empresa, depois de longas negociações, oferece de imediato a parte do terreno que o município pretende a custo zero, recebendo em troca capacidade construtiva para a parte restante. Negócios urbanísticos António Cândido de Oliveira de ser cuidadosamente escrutinados e muitas vezes não são. Frequentemente vão acabar nos tribunais e terminam com um acordo. 
Transcrevemos a seguir o que lemos nos jornais da semana passada de Famalicão e que elucida bem o que dissemos, escolhendo a redação publicada no jornal “Opinião Pública”: “A Câmara Municipal de Famalicão chegou a acordo com os proprietários de terrenos privados situados na orla nascente do Parque da Devesa”. E explicitava: “A autarquia vai pagar 5,5 milhões de euros à Tempreduc, empresa proprietária dos terrenos, e esta desiste da ação em tribunal (na qual pedia uma indemnização de 15 milhões de euros) e diminuiu a capacidade de construção nos referidos terrenos. Em concreto, o município consegue reduzir em 40% a capacidade construtiva, passando dos mais de 100.000 metros quadrados possíveis de construção para 60.000”. 
Mais adiante o OP informava: “a contenda esgrimia-se em tribunal desde 2013 e estava relacionada com o processo de entrega de cerca de 135.000 metros quadrados por parte da empresa à autarquia que viabilizaram a construção do Parque urbano da Devesa. A empresa alega que a contrapartida acordada para a transferência da propriedade a custo zero em 2009 e relacionada, precisamente, com a viabilização da capacidade construtiva dos 100.000 metros quadrados, não foi assegurada conforme o acordado e recorreu para o tribunal”. 
O Presidente da Câmara, que defendeu o acordo, explicou que para construir 100.000 metros quadrados nessas parcelas “os prédios teriam que ter uma altura de sete ou oito andares e a sua construção ficaria praticamente na imediação do parque, seria uma construção que poderia ensombrar o parque”. 
Duas notas apenas. Este caso não é único em Famalicão e há pelo menos outro mais antigo em tribunal que, aliás, o jornal “Cidade Hoje” refere. Nenhum dos jornais que lemos (e foram três) deu a conhecer a posição, pelo menos neste texto, do proprietário e da oposição sobre este acordo. Este tema ainda vai ser abordado na Assembleia Municipal (o órgão que se costuma menorizar mas que tem a última e decisiva palavra) e certamente teremos mais e melhor informação sobre este assunto. Assim o esperamos. É que no fim quem vai pagar estes milhões são os munícipes. E isto não acontece só, em Famalicão, julgo.


in Diário do Minho