É preciso
dizer que, em 1996, a regionalização apenas não se concretizou porque o PS, que
a prometeu nas eleições legislativas ocorridas em 1995, não teve a necessária
vontade política de a fazer.
Não
preciso de comprovar o que digo por palavras minhas. Basta utilizar as do
Presidente do PSD nessa altura, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa,
transcritas no livro “História (Política) da Revisão Constitucional de 1997 e
do Referendo da Regionalização” (Bertrand Editora, 1999), pp.13 e ss e
repetidas a pp. 87 e ss.
Dizia o
Presidente do PSD na altura: “A discussão, na generalidade, dos projetos
socialista e comunista da regionalização – envolvendo profundas alterações à
Lei Quadro e modelos altamente pulverizadores do Continente – encontrava-se já
agendada para o dia 2 de maio de 1996. Não era necessário ser-se adivinho para
se compreender que se seguiria, a passo lesto, a votação da generalidade, a
discussão e a votação na especialidade e a votação final global. Antes do final
do verão, e nas costas dos portugueses, socialistas e comunistas teriam
retalhado o território português continental”.
Não podia
ser mais claro. Podemos concluir que, se houvesse vontade firme de fazer
implementar a regionalização, ela tê-lo-ia sido, porque existiam condições para
tal. As grandes reformas fazem-se a seguir a eleições e esta constava de
promessa eleitoral do PS. O país não seria “retalhado”, mas sim dividido em oito
regiões, não se dizendo então, mas podendo dizer-se que o mapa poderia ser
posteriormente modificado e até reduzido o número de regiões, como sucedeu
recentemente em França, por ocasião da crise financeira.
No
entanto, a regionalização não se fez. O Presidente do PSD explica o porquê,
referindo o papel que teve na altura relativamente a esta matéria: “Tornava-se
imprescindível parar esta fuga para diante, este experimentalismo sem
participação popular, este vanguardismo de conveniência partidária sem debate
público nem voto universal [p. 14]”. E conseguiu parar.
O
Presidente do PSD encetou uma forte luta contra o processo de regionalização, que
estava a ser feito de acordo com os preceitos constitucionais de então, e fez
um ultimato que ficou conhecido como “o ultimato de Santa Maria da Feira”,
propondo um referendo sobre a regionalização sob pena de não haver revisão
constitucional. O PS cedeu (e não devia).
O
referendo não existia na Constituição e teria de ser criado, exigindo-se uma
revisão constitucional. A revisão fez-se e o referendo foi introduzido, como o
PSD pretendia. Um referendo obrigatório, com duas perguntas, uma de nível
nacional e outra de nível regional. Nas suas Lições de Direito Administrativo,
vol. I, Lisboa, 1999, p. 401., Marcelo Rebelo de Sousa afirmava ser “difícil
conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer
divisão regional do continente”.
Nem sequer
aqui o PS, ao ceder, teve a visão de ceder com medida. Podia admitir a sujeição
da regionalização a referendo, mas um referendo justo, meramente facultativo, a
exigir por quem pretendesse que fossem ouvidos os cidadãos sobre a lei de
regionalização que se viesse a publicar. Não foi capaz.
Como equilibrar agora os pratos da balança, colocando adeptos e adversários da regionalização em pé de igualdade?
Não vemos
outra possibilidade que não seja rever, nesta matéria, a Constituição, tornando
facultativa, não só a regionalização (não se justifica que a Constituição a
imponha, como sucede actualmente, sem qualquer efeito prático), mas também o
referendo que sobre ela possa recair.
Quem receia propor uma revisão constitucional nestes termos?
(Artigo de opinião publicado no Jornal Público de 21-8-2019)