O título "Eu adoro a democracia, mas odeio os partidos" é retirado de uma entrevista do professor Daniel Bessa dada ao semanário Alto Minho a 12 de Outubro de 2022, mas não o subscrevo. Compreendo-o, mas não concebo uma democracia sem partidos. Partidos são correntes de opinião e os cidadãos não têm todos a mesma opinião. Uns alinham mais à esquerda e outros mais à direita. Não cabe aqui definir com suficiente detalhe o que é direita e esquerda, mas nós sabemos frequentemente identificar o pensamento político de esquerda mais ligado à igualdade e distribuição de bens e o pensamento político de direita, mais ligado à liberdade e à produção. Estas correntes de opinião, quando não são extremistas, têm ambas em comum o apreço pela liberdade e pela justiça social e Portugal é um bom exemplo disso.
Repare-se que correntes de opinião há mesmo em ditadura e quem é mais velho lembra-se que o regime de Salazar, que precisava, para se manter, de uma polícia política (PIDE) e de censurar os jornais, odiava os partidos e estes mesmo assim existiam, ainda que sem tal nome. Os que defendiam o regime agregavam-se à volta da União Nacional, que era o partido de Salazar, sem o dizer (mais tarde mudou de nome com Marcello Caetano, mas a substância era a mesma) e os que a ele se opunham constituíam a oposição, lutando com as dificuldades próprias da falta de liberdade e com a perseguição que lhe era movida.
Em democracia, as correntes de opinião podem exprimir-se com liberdade e os partidos surgem naturalmente. Em Portugal temos, há quase 50 anos, dois grandes partidos que se têm alternado no poder, o PS e o PSD. Um, situado mais à esquerda, outro, mais à direita, mas que têm em comum o respeito pelos resultados eleitorais, a defesa da liberdade e a procura da justiça social. Eles congregam, em regra, mais de dois terços do voto dos portugueses (neste momento 4/5 dos deputados) e dizem-nos que os portugueses rejeitam extremos, quer à esquerda, quer à direita.
No entanto, há um grande problema que é preciso enfrentar – e aqui aproximamo-nos de Daniel Bessa –, que é o da sua organização e funcionamento. Os nossos dois principais partidos – e os restantes não são diferentes – estão longe de serem o que deveriam ser: exemplo de democracia.
Quando observamos o PS e o PSD, nomeadamente a nível local, ficamos desolados. Eles em regra não têm desde logo nos municípios uma página web simples e barata, mas bem organizada e actualizada, dizendo quem era quem, como estavam organizados e qual a sua actividade. Deveriam também, quando têm eleições internas, ser exemplo de democracia e sabemos que frequentemente tal não sucede. Deveriam ainda preocupar-se com a abertura à sociedade e aumentar o número dos seus militantes e simpatizantes e não fecharem-se numa concha, mais parecendo ditaduras do que democracias.
Por isso, não odeio os partidos, mas critico-os duramente porque não são exemplo de democracia na sua organização e funcionamento, pondo em risco a prazo o regime democrático.
(Em Diário do Minho, 11/11/22)