Quem tem mais de setenta anos lembra-se certamente de que no antigo regime (o denominado Estado Novo) os que a ele se opunham encontravam frequentemente nos diálogos que mantinham com os que defendiam ou aceitavam esse regime um argumento recorrente: os portugueses não estavam preparados para a democracia. A democracia era para os ingleses e outros povos mais cultos não para os portugueses. No entanto, os factos vieram desmentir por inteiro essa argumentação.
Vivemos hoje a caminho de 50 anos um regime baseado na Constituição da República Portuguesa de 1976 (felizmente profundamente revista em 1982) que é uma democracia bem consolidada.
Os portugueses demonstraram nas eleições de 25 de Abril de 1975 (promessa dos militares que fizeram a revolução um ano antes) que estavam bem preparados para viverem em democracia e votaram em massa (mais de 90%) numas eleições para a Assembleia Constituinte que lembramos com orgulho. E demonstraram pelo voto que não desejavam extremismos. Nem de esquerda, nem de direita. PS e PPD (hoje o mesmo partido com o nome de PPD/PSD) chamaram a si mais de 63% dos votos e mantem-se ainda hoje como os dois partidos mais importantes, tendo actualmente 3/5 dos deputados.
Houve perturbações iniciais é certo, perturbações perigosas, que foram bem ultrapassadas e as eleições de 1976 para o Presidente da República, para a Assembleia da República, para as Regiões Autónomas e para as Autarquias Locais marcaram o rumo do que veio a acontecer até hoje.
Não houve, desde então, eleição prevista na Constituição que não se realizasse e com a regularidade nela prevista. Importa recordar que os responsáveis principais por esta situação foram os cidadãos e cidadãs do nosso país pelas escolhas que fizeram e referir cidadãs é lembrar que só a partir de 25 de Abril de 1975 todas as mulheres portuguesas puderam votar em total igualdade com os homens. Mas é de inteira justiça recordar a importância que tiveram para a formação e consolidação da democracia que hoje temos, compreendendo o povo e lutando contra extremismos figuras políticas como Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Francisco Salgado Zenha e Diogo Freitas do Amaral.
A Constituição de 1976, pilar da democracia, tem sido objecto de várias revisões que ela própria prevê.. A revisão agora iniciada é aquilo que devemos considerar uma revisão de aperfeiçoamento e acabou de tomar posse (dia 4.1.2023) uma comissão eventual de revisão constitucional (CERC) da qual esperamos bom trabalho.
Tentei ver quem dela fazia parte e não consegui encontrar ainda a sua composição completa o que se lamenta. Ela deveria estar com destaque na primeira página da Assembleia da República e não está. Esperemos que ela não se feche em si mesmo e se lembre que uma revisão constitucional se faz às claras, com participação dos cidadãos e cidadãs e não dentro dos gabinetes com entendimentos partidários fechados.
Há aperfeiçoamentos a fazer nomeadamente em sede de poder local que devem ser objecto de largo debate. Esperamos escrever sobre isso na imprensa livre que a democracia nos possibilitou.
(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 06-01-2023)