sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A difícil tarefa da oposição local: um exemplo

Costuma dizer-se que o exercício do poder a nível local é mais escrutinado porque os titulares dos órgãos estão mais próximos dos cidadãos. Não nos parece que esta afirmação se possa fazer sem mais. Se é verdade que há alguns aspectos que podem ser melhor escrutinados dada a proximidade, tal não sucede em geral. Nomeadamente ao nível dos municípios, o escrutínio do exercício do poder deixa muito a desejar. Desde logo, os eleitos locais da oposição (na câmara ou na assembleia) não exercem funções a tempo inteiro, nem a meio tempo, e isso dificulta muito a sua tarefa.

Serve bem de exemplo o que uma vereadora da oposição num dos municípios do Quadrilátero, que tem o bom hábito de fazer sínteses das suas intervenções, disse em recente reunião pública de câmara municipal de 9 de Fevereiro de 2023 (5ª feira de manhã) no período de antes da ordem do dia:

“A agenda desta reunião é constituída por 887 páginas, contendo propostas que, pela sua importância e complexidade, exigem uma análise cuidada e exaustiva. Recebi, via mail, o link da reunião na passada 3ª feira, às 9,55h. Recebi a agenda, em suporte de papel, no mesmo dia, pelas 14,30h. Ainda hoje foi entregue mais um documento (mapa a cores)”. E acrescentou: “Enquanto titulares de oposição temos o direito de ser informados regular, direta e atempadamente, pelo executivo câmara municipal, dos principais assuntos de interesse público, nomeadamente dos que, pela sua complexidade e importância, deverão merecer uma análise detalhada e, mesmo, exaustiva, a fim de exercermos o nosso mandato com rigor e na prossecução dos interesses de …” (indicação do município).

Na verdade, como é possível, os vereadores da oposição fazerem intervenções adequadas com tão pouco tempo de preparação? E esta informação, em cima da agenda das reuniões (dois dias antes, neste caso), não sucede, que saibamos, apenas neste município, ela é a regra no país.

Estes vereadores que auferem apenas uma senha de presença por cada reunião em que participam de 77,24 euros(!) não podem efectivamente preparar, debater e votar nas reuniões de câmara com a responsabilidade que a democracia local lhes exige.

Ainda pode dizer-se que os assuntos de maior importância vão à assembleia municipal, mas aqui costuma repetir-se o problema: a agenda também é enviada sobre a hora e os deputados municipais auferem apenas uma senha de presença de 76,53 euros por cada reunião da assembleia.

Uma forma de minorar estas dificuldades, como temos defendido, não é a passagem destes eleitos locais da oposição ao exercício de funções a tempo inteiro ou meio tempo, mas a possibilidade de terem assessores, ou seja, pessoal da sua confiança, devidamente pago, para facilitar o seu trabalho como deveriam ter e a lei permite (que saibamos só há em Lisboa). Importa dizer que este pessoal, contratado para um mandato, existe, desde há muito, nos municípios da vizinha Espanha.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 17-02-2023)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A oposição municipal precisa de apoio, já!

As oposições dos nossos municípios devem lutar pela obtenção de assessores. Será uma luta difícil, porque terá certamente a oposição da câmara, mas é uma luta que deverão travar.

O bom governo a nível municipal (ou de freguesia) precisa de oposição e de meios de comunicação social independentes e plurais. Deixemos de lado, por agora, os meios de comunicação social e centremo-nos na oposição.

Sem uma oposição bem organizada, o governo da maioria tende a desleixar-se e a cometer erros, e erros graves.

Cabe à oposição, que, a nível municipal, está particularmente presente na assembleia municipal (ainda que não possa descurar-se, no actual sistema de governo local português, o papel dos vereadores sem pelouro), agir. Ora, a oposição, para ser bem exercida, precisa de eleitos locais bem preparados e informados, para poderem exercer a sua missão de modo adequado.

O grande problema da oposição (das oposições) a nível local é a falta de meios. Os eleitos locais, nomeadamente os deputados municipais, são pessoas que, em regra e bem, têm a sua vida profissional, os seus afazeres, não exercendo funções a tempo inteiro ou a meio tempo.

Por isso é da maior importância que eles sejam assessorados, que tenham pessoal de auxílio. É o que sucede na vizinha Espanha, onde os grupos municipais da maioria e da oposição têm o direito de contratar, dentro de certos limites, pessoal da sua confiança, pelo período do mandato, para apoio aos eleitos. Cabe-lhes estar atentos ao que se passa no município, procurando informações, documentos e outros elementos de interesse.

Em Portugal isso já sucede, desde há muito tempo, na Assembleia Municipal de Lisboa. Não há conhecimento de outros municípios que tenham pessoal de apoio e deviam ter. A lei é a mesma para todo o país.

Dentro deste contexto, devem as oposições dos nossos municípios lutar pela obtenção de assessores. Será uma luta difícil, porque terá certamente a oposição da câmara, mas é uma luta que deverão travar.

E desde já! Num primeiro momento trata-se de anunciar que vão pedir esse apoio e exigir que ele encontre acolhimento no orçamento municipal do próximo ano. É tarefa, desde logo, do principal grupo municipal da oposição, que deverá fundamentar esse pedido. Os outros grupos também o deverão fazer.

Em Portugal, isso já sucede, há muito tempo, na Assembleia Municipal de Lisboa. Não há conhecimento de outros municípios que tenham pessoal de apoio e deviam ter. A lei é a mesma para todo o país

Terão de demonstrar – e não será difícil – não só a importância desse apoio para cumprir o dever que a lei lhes impõe de fiscalizar a actividade da câmara municipal (trata-se de uma obrigação legal) mas também que o peso financeiro do apoio que pedem é ínfimo no orçamento municipal global.

O que não podem os grupos municipais de oposição, com maior ou menor número de membros, é estar calados e sem lutar por aquilo que é um direito seu. Se nada fizerem, tal revelará a sua debilidade, a sua falta de visão do que é a democracia local e os eleitores bem poderão perguntar se não merecem melhores representantes.

(Artigo de opinião publicado no Público, de 07-02-2023)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O exemplo da Assembleia Municipal de Barcelos

Uma conceituada jornalista da agência Lusa perguntava-me esta semana, no âmbito de um trabalho que está a fazer, qual a minha percepção sobre a corrupção no poder local. Disse que tenho a ideia de que os eleitos locais dos municípios e das freguesias são, em regra, pessoas honestas, sendo os corruptos, a excepção.

Tenho, no entanto, a ideia de que as excepções mancham a reputação de todos e que é preciso que elas sejam reduzidas ao máximo, actuando, desde logo, no domínio da prevenção. Centremo-nos nos municípios, pois, é a estes que a atenção mais se dirige.

Entendo que as páginas oficiais dos municípios podem ser um bom meio de prevenir a corrupção desde que reúnam certas condições e uma delas é a de serem livros abertos que os munícipes podem consultar. Vigora entre nós o princípio constitucional da administração aberta e isso quer dizer que deve ser público e não secreto o que eleitos municipais fazem.

Acresce que as páginas oficiais do município não são propriedade da maioria que governa, devendo ter lugar amplo para a minoria, para a oposição ou oposições.

Estamos como sabemos longe disso, sendo bem conhecida a resistência das câmaras. Como proceder para mudar esta situação? Até há pouco tempo defendia que os municípios deveriam ter uma só página oficial onde caberia espaço para a câmara municipal e para a assembleia municipal e não duas páginas: uma da câmara e outra da assembleia municipal. Embora as duas soluções sejam possíveis, sem prejuízo da administração aberta, o exemplo do município de Barcelos faz-me reflectir.

Barcelos tem uma página autónoma da assembleia municipal e ela merece ser consultada. É uma página em desenvolvimento e tem já coisas de muito interesse como sejam uma fotografia e pequena biografia de cada eleito acompanhada do seu endereço institucional, possibilitando aos munícipes o contacto com os seus representantes.

Acresce que uma página destas, sob a responsabilidade da sua mesa, tem potencialidades que devem ser exploradas. A página da assembleia deve dar informação ampla das deliberações tomadas e aí estão as atas para o efeito, pode ter anúncio atempado das reuniões da assembleia e da documentação pertinente, bem como da sua transmissão online, e principalmente pode informar sobre a actividade de fiscalização que lhe cabe.

Essa actividade de fiscalização que, em regra é mais exercida pela oposição ou oposições requer espaço para esta, para os grupos municipais da oposição, sem esquecer que o grupo ou grupos municipais da maioria também devem ter também lugar, pois a fiscalização não é exclusiva da oposição.

O grande avanço que importa fazer é abrir, pois, lugar para os grupos municipais exprimirem na página da assembleia, sob sua responsabilidade, os seus pontos de vista sob o governo do município e a actividade de fiscalização que têm o dever de exercer e que muito pode contribuir para prevenir ou mesmo impedir tentações ou práticas de corrupção.

Essa liberdade que é necessário conceder aos grupos municipais (as oposições a nível local têm a vida muito dificultada, podendo dizer-se que estão presas) deve ser acompanhada de responsabilidade, exigindo um modo adequado de proceder. Não parece difícil e merece que se exponha como se poderia organizar. Exige, por razões de espaço, um outro artigo.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 03-02-2023)