Costuma dizer-se que o exercício do poder a nível local é mais escrutinado porque os titulares dos órgãos estão mais próximos dos cidadãos. Não nos parece que esta afirmação se possa fazer sem mais. Se é verdade que há alguns aspectos que podem ser melhor escrutinados dada a proximidade, tal não sucede em geral. Nomeadamente ao nível dos municípios, o escrutínio do exercício do poder deixa muito a desejar. Desde logo, os eleitos locais da oposição (na câmara ou na assembleia) não exercem funções a tempo inteiro, nem a meio tempo, e isso dificulta muito a sua tarefa.
Serve bem de exemplo o que uma vereadora da oposição num dos municípios do Quadrilátero, que tem o bom hábito de fazer sínteses das suas intervenções, disse em recente reunião pública de câmara municipal de 9 de Fevereiro de 2023 (5ª feira de manhã) no período de antes da ordem do dia:
“A agenda desta reunião é constituída por 887 páginas, contendo propostas que, pela sua importância e complexidade, exigem uma análise cuidada e exaustiva. Recebi, via mail, o link da reunião na passada 3ª feira, às 9,55h. Recebi a agenda, em suporte de papel, no mesmo dia, pelas 14,30h. Ainda hoje foi entregue mais um documento (mapa a cores)”. E acrescentou: “Enquanto titulares de oposição temos o direito de ser informados regular, direta e atempadamente, pelo executivo câmara municipal, dos principais assuntos de interesse público, nomeadamente dos que, pela sua complexidade e importância, deverão merecer uma análise detalhada e, mesmo, exaustiva, a fim de exercermos o nosso mandato com rigor e na prossecução dos interesses de …” (indicação do município).
Na verdade, como é possível, os vereadores da oposição fazerem intervenções adequadas com tão pouco tempo de preparação? E esta informação, em cima da agenda das reuniões (dois dias antes, neste caso), não sucede, que saibamos, apenas neste município, ela é a regra no país.
Estes vereadores que auferem apenas uma senha de presença por cada reunião em que participam de 77,24 euros(!) não podem efectivamente preparar, debater e votar nas reuniões de câmara com a responsabilidade que a democracia local lhes exige.
Ainda pode dizer-se que os assuntos de maior importância vão à assembleia municipal, mas aqui costuma repetir-se o problema: a agenda também é enviada sobre a hora e os deputados municipais auferem apenas uma senha de presença de 76,53 euros por cada reunião da assembleia.
Uma forma de minorar estas dificuldades, como temos defendido, não é a passagem destes eleitos locais da oposição ao exercício de funções a tempo inteiro ou meio tempo, mas a possibilidade de terem assessores, ou seja, pessoal da sua confiança, devidamente pago, para facilitar o seu trabalho como deveriam ter e a lei permite (que saibamos só há em Lisboa). Importa dizer que este pessoal, contratado para um mandato, existe, desde há muito, nos municípios da vizinha Espanha.
(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 17-02-2023)