“É mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do Continente.” (Marcelo Rebelo de Sousa – Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1999, p. 401)
Em tempo de
eleições importa revisitar a questão da criação de regiões administrativas.
Como sabemos em Portugal há, com bons argumentos, adeptos e adversários da regionalização
e o cumprimento exemplar das regras democráticas próprias de um Estado de
Direito obrigaria a que uns e outros lutassem pelas suas posições em condições
de igualdade.
Assim, os
adversários não teriam neste momento nada a fazer de essencial, pois a
regionalização do continente não existe. Os adeptos esses, pelo contrário,
teriam de lutar se quisessem regionalizar e, assim, teriam de apresentar
oportunamente para aprovação na Assembleia da República uma lei de criação de
regiões no continente acompanhada de um mapa devidamente elaborado.
Uma vez
aprovada essa lei, os seus adversários deveriam ter a possibilidade de a
combater e exigir um referendo para que os cidadãos se pronunciassem. Se a
opinião dos cidadãos fosse favorável, a lei avançaria e seria executada. Não
importaria para o efeito a percentagem de participação no referendo. O que
importaria seria o número de votos a favor e contra, só avançando se o número
de votos a favor fosse superior aos votos contra. Foi assim que aconteceu nos
referendos que tivemos sobre o aborto e não se vê razões para que o referendo
sobre a regionalização mereça um tratamento mais exigente.
Procedendo
assim, as regras da democracia seriam cumpridas e mais ainda uma lei posterior
poderia modificar ou extinguir as regiões. Ora estas regras claras da
democracia não vigoram actualmente em Portugal. No nosso país a Constituição
introduziu um regime incongruente, agravado em 1997, que por um lado obriga a
regionalizar e, por outro lado, coloca sérias dificuldades à concretização da
instituição de regiões.
Obriga a
regionalizar, pois o artigo 236.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa
(CRP) determina desde sempre que, no continente, “as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões
administrativas”. O problema não se coloca nos arquipélagos dos Açores e da
Madeira, onde existem desde 1976 regiões autónomas.
Por via desta
obrigação contida no n.º 1, a Constituição só será cumprida quando houver
regiões administrativas. No entanto, a mesma, para além da natural aprovação na
Assembleia da República de uma lei de criação de regiões administrativas
oferece aos adversários da mesma um referendo obrigatório, dando-lhes, desse
modo, a possibilidade de travar a lei sem necessidade de terem de trabalhar para o convocar como
seria razoável. Mas a Constituição vai mais longe e não se contenta com um
resultado favorável à regionalização obtido nesse referendo. Ela coloca um
conjunto de requisitos que só tem uma finalidade: dificultar a criação de
regiões e os artigos 255.º e 256.º da CRP bem o evidenciam. Eles exigem não só uma
lei de criação simultânea das regiões administrativas definindo os “respectivos
poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos” (artigo
255.º), mas também um referendo com duas perguntas, uma de alcance nacional e
outra regional e ainda, segundo a letra da lei sobre referendos de âmbito
nacional ( artigo 251.º, n.º 2, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril), a participação de 50% dos eleitores, o que
nunca aconteceu num referendo nacional no nosso país.
Bem pode
dizer-se que a Constituição prejudica fortemente os adeptos da regionalização e
favorece os adversários. A Constituição não é neutra nesta matéria e tem a
obrigação de ser em nome da democracia. Basta que não obrigue, nem proíba a
criação de regiões!