quinta-feira, 29 de maio de 2025

O Exemplo de Joaquim da Silva Loureiro

             Joaquim da Silva Loureiro, advogado e famalicense por residência (devemos lembrar-nos que é tanto ou mais famalicense quem aqui nasce como quem aqui reside por muitos e longos anos), foi eleito presidente da Assembleia Municipal no mandato de 1985 a 1989.

No exercício do seu cargo, solicitou à Câmara Municipal que remetesse ao membro da Assembleia Municipal Manuel Barbosa da Silva (CDU)  a documentação que ele insistentemente pedira e a que tinha direito (mapa do quadro de pessoal do município). 

A Câmara Municipal, que era do Partido Socialista, resistiu a tal envio e Joaquim Loureiro teria de tomar uma de duas atitudes: inclinar-se perante a vontade da Câmara que era do seu partido ou cumprir o seu dever como Presidente da Assembleia Municipal.

Joaquim da Silva Loureiro, um dos fundadores do partido Socialista  em Famalicão, perante a recusa reiterada da Câmara Municipal, pura e simplesmente renunciou ao seu mandato.

Nunca ao longo destes quase  50 anos de democracia local em Famalicão, um Presidente da Assembleia Municipal tomou esta atitude e estou convencido  de que, mesmo no nosso país, poucos presidentes  a terão tomado.

Isto é publicado no dia (29.5.2025) em que comemoraria 89 anos se vivo fosse e é uma homenagem que bem merece,  devendo  servir de exemplo para todos os democratas. Até porque esta recusa de entrega de documentos por parte da Câmara Municipal a membros da Assembleia Municipal não foi um pecado isolado da Câmara de então, constituindo uma ilegalidade frequente que chega aos nossos dias.

Entretanto, com pena o digo, pretendi encontrar documentação sobre este   pedido de renúncia no arquivo da nossa  Assembleia Municipal e não consegui. Apenas me foi fornecida  cópia da ata da sessão ordinária de 3 de fevereiro de 1989 que diz que, nesse dia, pelas 21,30h e no Salão Nobre dos Paços do Concelho  reuniu a Assembleia Municipal, tendo no primeiro ponto da ordem de trabalhos a eleição do Presidente da Assembleia Municipal.  Mais dizia a ata que a  mesa foi presidida por Carlos Alberto Oliveira de Sá na “ausência do titular que tinha renunciado ao mandato”.

Bem pedi para me entregarem o pedido de renúncia, pois não se renuncia por boca, mas não consegui obtê-lo, apesar dos esforços feitos pelos serviços da Assembleia Municipal. A documentação  deste órgão do município, nos primeiros tempos e praticamente até ao fim do século passado, está num estado que não nos honra como famalicenses. Importa que ela seja tratada com o cuidado devido,  desde o início, ou seja,  desde 1976.

(Notícias de Famalicão, 29-5-2025)

quinta-feira, 15 de maio de 2025

A Beleza da Democracia

Para quem, na esteira da conhecida e irónica frase de Churchill, considera que  a democracia é “o pior dos regimes excepto todos os outros”, afirmar a beleza da democracia aparecerá como algo despropositado. E, no entanto, se bem pensarmos, a democracia é o melhor e mais belo dos regimes que até hoje conhecemos. Justificar esta afirmação no espaço que me é reservado neste jornal é um exercício difícil que, no entanto, tentarei fazer, porque considero um dever.

A democracia tem na base uma convicção firme de que todos nós, pessoas, somos iguais em direitos e deveres. Esta afirmação é compatível com uma  outra que diz o contrário, ou seja, que todos somos diferentes, Não há uma pessoa igual a outra. Somos todos diferentes do ponto de vista  físico e mental. Mas essa diferença  não nos dá o direito de a invocar, quando ela nos beneficia, para oprimir aquelas ou aqueles que têm menos força ou inteligência ou saúde.

É aqui que entra a democracia. É democrata aquela ou aquele que olha para o outro como semelhante, como igual, e que o respeita como tal.  Repare-se que isto não é natural, é antes uma convicção assente, para quem tem fé cristã, na ideia de que todos somos filhos de Deus e, portanto, irmãos, e para quem não a tem na ideia de que os seres humanos merecem todos igual respeito, não havendo supremacia de uns sobre outros, porque fazem todos parte da família humana.

Sabemos que nem todos pensam assim. E que há pessoas que se consideram, por razões de força física ou de superioridade moral, desde logo, baseada na inteligência, acima de outros e que, por isso, estes lhes devem obedecer e até se atrevem a dizer que devem obedecer (submeter) para seu bem…

Estas pessoas afastam-se da democracia e tratam de impor a sua vontade. Constroem um regime político baseado na superioridade de uns sobre outros. Arrogam-se o direito de mandar e não suportam a ideia de igualdade.

A beleza da democracia está aqui. Os democratas, que o são, de verdade ,  constroem um regime baseado na igualdade de todos e, por isso, um regime político nos termos do qual o direito de mandar é-lhes dado pelos seus iguais, através de eleições. Uma vez eleitos passam a representá-los, não a dominá-los. Estão ao serviço das cidadãs e dos cidadãos e de tal modo que não só periodicamente lhe pedem de novo o poder de mandar, como, ao longo do mandato, prestam  contas.

Mas essa beleza continua através do facto de em democracia as ideias diferentes serem respeitadas, desde que não atropelem os direitos e a dignidade de outros. Onde não há respeito pela oposição, não há democracia.

E a beleza da democracia manifesta-se finalmente  quando a sociedade que dela resulta é livre, justa e solidária; quando não há descanso enquanto o outro, o nosso semelhante  não tem a vida digna que desejamos para nós.

Por isso a democracia, está sempre em movimento e em construção , é um constante trabalho de aperfeiçoamento, tendo em vista essa sociedade mais livre mais justa e mais solidária em que os mais vulneráveis são ajudados e os mais dotados estão ao seu  serviço.

A democracia é uma partilha e a construção de uma fraternidade que lhe serve de guia. Trata-se de um objectivo nunca plenamente alcançado, mas sempre tentado.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Transporte Ferroviário Braga-Porto

A remodelação da linha ferroviária entre Braga e Porto (mais correctamente  Ermesinde) ocorrida em 2004 trouxe um avanço na ligação entre as duas cidades que ainda não está completo, nem da qual se tiraram as vantagens que se esperavam.

Não está completo, porque entre Ermesinde e Contumil há apenas duas linhas, uma no sentido norte-sul e outra no sentido inverso e isto provoca um estrangulamento que não é de admitir que se mantenha.

A Ermesinde chegam obrigatoriamente comboios Alfa, Intercidades, Regionais e Urbanos que vêm de Vigo/Valença, de Braga, de Guimarães e da linha do Douro e que estão limitados na progressão da sua marcha ou dos seus horários por causa desta limitação . Como é possível que esta situação não se resolva?

E como se isto não bastasse os comboios Urbanos rápidos que de Braga, Guimarães e da linha do  Douro  se dirigem ao Porto param até chegara a Campanhã nas estações de  Águas Santas, Rio Tinto e Contumil.  A que título num comboio rápido?  Só é rápido até Ermesinde?

Um alargamento da linha entre Ermesinde e Contumil  poderia permitir até que houvesse comboios para o serviço dos utentes moradores entre Campanhã e Ermesinde, libertando a viagem dos passageiros que pretendessem dirigir-se para distâncias mais longas.

Acresce que  a CP parece não ter em devida conta conta que os comboios Alfa e Intercidades que partem, por exemplo,  de Braga vão naturalmente com muitos lugares vagos, pois só enchem no Porto. A que título não ocupar esses muitos lugares vagos  - na medida das possibilidades – entre Braga e Porto a um preço atractivo e não aos preços actuais  de 17,50 euros (Alfa) e de 13,50 euros (Intercidades) e que não tem em conta no seu valor, por exemplo, a entrada em Famalicão?

Um preço atractivo – sem prejudicar os passageiros que se destinassem a maiores distâncias – tinha, ao mesmo tempo, a vantagem de gerar mais receita e retirar automóveis da estrada. A CP despreza essas receitas e os benefícios que traria para o ambiente?

Sei que se misturam neste artigo assuntos da  IP e da CP,  mas não trabalham elas para o mesmo fim? Precisam uma e outra  de se entenderem e não se compreende que a CP não convença a IP a suprimir, no mais breve prazo,  o estreitamento da via a partir de Ermesinde e que a IP não estimule a CP a utilizar com melhor proveito  as vias que põe ao seu dispor.

Ambas devem servir cada vez melhor os cidadãos e cidadãs deste país e não é essa a ideia que transparece.

(DM- 1 - 5- 25)

 

 

 

 

O que pensam os estudantes

Há uma tendência para esquecer certas coisas na voragem dos dias, mas tal não deve suceder.  Nas recentes eleições (19-3-2025) para o importante órgão da Universidade do Minho que é o Conselho Geral - uma assembleia que delibera sobre os assuntos mais relevantes da Universidade e elege o Reitor - votaram menos de  dois mil (1985) dos mais de vinte mil (20476)  estudantes inscritos nos cadernos eleitorais, ou seja, menos de 10% (9,7%).

Isto não nos deve interpelar e interpelar também  a Universidade, nomeadamente o próprio Conselho Geral e a Reitoria? Qual o significado desta enorme abstenção?

A tendência nestes casos  é para fazer, cada um de nós,  a sua apreciação.  Para uns, os estudantes, na sua enorme  maioria,  apenas se interessam, quando interessam,  pelas aulas e pelas notas. O resto, nomeadamente o governo da Universidade, as eleições para os órgãos desta e das suas escolas,  pouco lhes importa.

Para outros, os estudantes não votam, porque não estão ao par do significado desta eleição, não estão  devidamente informados.

 Ainda para outros, os estudantes votariam muito mais se votassem, por exemplo,  para a eleição directa do Reitor, como está previsto passar a suceder na revisão em curso da Lei do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES).

No entanto, a apreciação que fazemos individualmente  tem pouco valor. Seria muito melhor perguntar aos estudantes o que pensam efectivamente sobre esta matéria e isso é possível saber com elevada segurança, usando os meios científicos e técnicos que estão ao dispor da Universidade, através de algumas das suas unidades orgânicas,  e que não são dispendiosos. 

Esse conhecimento do comportamento dos estudantes deveria ser feito e teria muita utilidade. Os estudantes são, na sua grande maioria, cidadãos já com plenos poderes de cidadania e mal de uma Universidade que apenas se preocupe em transmitir-lhes conhecimentos para que eles possam mais tarde serem engenheiros, médicos, juristas, economistas, professores e profissionais de muitos outros numerosos domínios do saber.

A formação de cidadãos que o sejam não apenas pela idade, mas pela consciência dos seus direitos e deveres na sociedade de que fazem parte é um dever que a Universidade não pode descurar.

PS – De um excelente suplemento comemorativo dos 106 anos do DM (15-4-2025), permito-me destacar, na impossibilidade de fazer uma referência mais ampla, este facto relatado pelo Administrador a propósito da imprensa regional e das dificuldades que esta atravessa e que pouca gente conhecerá, mas da maior importância  para essa mesma imprensa:“ A Gráfica do DM imprime atualmente cerca de uma centena de títulos”.

 

 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Candidatemo-nos!


O título podia ser “Candidatem-se” e ser um apelo dirigido às cidadãs e aos cidadãos para se candidatarem às próximas eleições, integrando listas que tenham por finalidade trabalhar por uma sociedade mais livre, justa e solidária, como é nosso dever. No entanto, o título é outro e o apelo não nos deixa de fora, numa situação cómoda, mas envolve-nos.

Não é vulgar o apelo à candidatura, aparecendo como mais vulgar o apelo ao voto. Mas o apelo ao  voto sem bons candidatos não é  bom. É como dizer:  na falta de melhor, votemos, ao menos nas listas e nos candidatos menos maus.

Daí a importância da candidatura. Apliquemos o que acabamos de dizer.

É desejável e mesmo um dever candidatarmo-nos, sendo essa uma forma de “amor político”, bem clara para os cristãos,  mas igualmente  aplicável também a não crentes que têm amor pela humanidade.  Claro que não é candidatarmo-nos a qualquer eleição. Cada um verá da sua capacidade, devidamente apreciada por si e por aqueles que os conhecem, para se candidatar a uma eleições.

Curiosamente, neste nosso país e neste nosso momento estão próximas eleições para quase todos os lugares previstos na Constituição: eleições para o parlamento ( Assembleia da República), para as autarquias locais e para o  Presidente da República.  

Cada um de nós deverá saber das suas capacidades e das suas circunstâncias. A candidatura deve ser um acto racional e não é para qualquer um de nós candidatar-se a Presidente da República. É um dever sim, mas para as cidadãs e os cidadãos que sejam reconhecidos por nós cidadãos e cidadãs como tendo as qualidades necessárias para o desempenho de tão alto cargo. É por isso também um dever não nos candidatarmo-nos a cargos para que não estamos devidamente preparados.

Também a candidatura à Assembleia da República não deve ser um dever para todos, mas antes para aqueles que, sem a exigência própria  da Presidência da República,  estejam preparados para exercer um cargo que é da maior relevância (ser membro do Parlamento) e que, com os seus 230 membros, tem muito mais poder que o próprio Presidente da República. É da maior importância termos bons candidatos para as eleições que se aproximam (18 de maio). Normalmente,  os candidatos à Assembleia da República são escolhidos pelos partidos sem consultar os cidadãos, mesmo  que informalmente, mas  estes têm o direito e o dever de “interferir” nos partidos em que  costumam votar no sentido de escolherem  aqueles que consideram os melhores candidatos para o “seu” partido. Essa interferência pode mesmo exprimir-se por uma crítica pública às escolhas feitas.

Resta a eleição para as autarquias locais. É aqui que o dever de candidatura abrange mais pessoas (largas dezenas de milhar) e não se exige tanta responsabilidade e preparação, ainda que estas sejam também necessárias. Participar numa assembleia ou câmara municipal, numa assembleia ou junta de freguesia é importante e uma forma de exercer o “amor político” que as encíclicas “Laudato sì” e “Fratelli Tutti” exprimem muito bem. Pode parecer algo com pouca importância, mas não é. Além do mais, são os lugares que mais possibilitam estar próximo dos mais próximos nos momentos bons e maus.

                                                           António Cândido de Oliveira

PS – Nas recentes eleições para o Conselho Geral da Universidade do Minho dos 20476 estudantes inscritos nos cadernos eleitorais votaram 1985 ou seja menos de 10%. Mais de 90% de abstenção! Isto não interpela os órgãos da Universidade? Ficam indiferentes? Tencionamos abordar este assunto.

(DM - 3-4-25)

quinta-feira, 20 de março de 2025

Somos um povo de cabeça dura, D. José!

No passado sábado, dia 16 de março de 2025, D. José Cordeiro, que presidia em Braga  à missa de funeral do Dr. Miguel Macedo, largamente participada, enchendo a Igreja de São Lázaro, fez, durante  a bem adequada homília o elogio da política, lembrando a Laudato Sì do Papa Francisco. Um elogio rasgado, chegando a dizer que o “amor é político”  e levando-me a reler a Encíclica que tem como subtítulo “Sobre o Cuidado da Casa Comum” .

Só que não sei se D. José conhece bem - certamente conhece - o povo de Deus que lhe coube em Braga. O povo de Deus, de que faço parte, não tem em boa conta a política.  Considera que os políticos são todos iguais, que vão para a política,  ora porque não sabem fazer mais nada, ora para encher os bolsos. Vão para se servir, não para servir o povo.  A regra da política é a sujidade e o povo de Deus diz, mesmo quando surgem outros eleitos, que estes mudam, mas a porcaria (utilizam outra palavra mais vulgar) é a mesma. E a ladainha corrente contra os políticos ainda vai, nesta brevíssima descrição, a meio.

Julgo não estar a exagerar. Ainda admite, o povo,  que haja um ou outro que não pertença a estas categorias, mas consideram-no um ingénuo, alguém que não vai longe na política. E grande parte do povo de Deus, mesmo aquele que vai à missa todos os domingos, nem sequer vota. Votar para quê? São todos iguais, repete. E muito menos se dispõem a integrar uma lista de candidatos, recusando mesmo participar, quando são convidados, pois não querem misturar-se com essa “gente”.

E, no entanto, ao ler a Encíclica,  que vale a pena ler com toda a atenção,  não por ser do Papa Francisco, mas por nos apresentar  o Evangelho à luz dos nossos dias , deparamos no n.º 228 com este trecho: “O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão. Jesus lembrou-nos que temos Deus como nosso Pai comum e que isso nos torna irmãos”, com o consequente dever que temos, de amor fraterno. E no n.º 231: “ O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações  que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também “ as macrorelações como relacionamentos sociais, económicos, políticos”. Por isso, a Igreja propõe ao mundo o ideal de uma civilização do amor”.

Somos D. José, um povo de “cabeça dura” que se preocupa com ter poder, dinheiro e glória e, se para isso for necessário desqualificar ou  esmagar os  seus irmãos, não hesita. E ai de quem fale em aumentar a família com mais filhos, pois estorvam a sua  boa vida. E, muito menos com irmãos vindos de fora, de outras terras, de outras culturas, pois não são como nós. Quanto à “irmã Mãe Terra”, ela continua a clamar “contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou”(LS, n.º2)

Cumprir o Evangelho e com ele a doutrina social da Igreja bem adaptada ao nosso tempo em recentes documentos papais, e ainda por cima, a “Laudato Sì” seria uma revolução pacífica que mudaria tanto a vida do povo de Deus e obrigaria a mudar tanto o seu comportamento, que o melhor é deixar tudo assim. E continuar a ir à missa, cumprindo os preceitos…

Somos um “povo de cabeça dura”, D. José!

(DM-13-3-25)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Freguesias: a contextualização necessária

A nossa organização administrativa local assenta fundamentalmente nos municípios e não nas freguesias. Sempre assim foi, completando-se, a partir do Liberalismo, com o distrito, a nível supramunicipal, e com as freguesias, a nível inframunicipal.

O nível supramunicipal, desde a criação dos distritos em 1835, manteve-se quase sempre até à Constituição de 1976 e teve três momentos altos com os Códigos Administrativos descentralizadores, de Passos Manuel, em 1836, e de Rodrigues Sampaio, em 1878, e com a Constituição de 1911. A Constituição de 1976 prometeu (decretou!) a região administrativa como nível supramunicipal, mas não cumpriu. Nem sequer a experiência se fez, num claro retrocesso centralizador.

Por sua vez, a freguesia entrou na organização administrativa em 1836, manteve- se, com destaque, nos Códigos de Passos Manuel e de Rodrigues Sampaio e atingiu o seu momento mais alto – que se mantém - na Constituição de 1976 e na legislação subsequente que a concretizou e aprofundou.

Para a centralidade do município na administração pública portuguesa muito contribuiu a reforma territorial de 1836, da responsabilidade de Passos Manuel (e da sabedoria do Coronel Franzini), que reduziu o número de municípios de cerca de 800 para cerca de 350. A razão foi simples e consta do conciso, mas notável, relatório que acompanha o mapa anexo ao Decreto de 6 de Novembro de 1836:era necessária a existência de municípios que não fossem muito pequenos, pois não teriam rendimentos para o seu bom funcionamento, nem sequer pessoal para ser eleito, nem demasiado grandes, pois boa parte da população estaria demasiado afastada da sede do concelho. 

A reforma foi-se aperfeiçoando e os municípios diminuíram ainda mais.

Com esta reforma territorial dos municípios, Portugal adiantou-se, mais de um século, a muitos países da Europa. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que Estados do Norte da Europa, também eles com excessivo número de municípios e pelas mesmas razões que nortearam a nossa reforma de 1836, fizeram uma forte redução do seu número. Assim sucedeu, entre outros, com a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia e a então Alemanha Ocidental. Ficaram para trás, sem reforma e com um elevadíssimo número de municípios, a Espanha e a Itália (mais de 8000 municípios, cada) e a França, com 35.000 municípios. Todos com larguíssimos milhares deles com muito menos população e território do que as nossas freguesias.

Assim se compreende que Portugal tenha freguesias e nestes países, tão próximos, não existam. Na verdade, temos freguesias porque temos municípios grandes e elas têm por finalidade ajudar a melhor governar o nosso país, resolvendo, dentro do âmbito municipal problemas locais de proximidade que exigem presença física ( e tantos são) e reivindicando, junto dos municípios e, se necessário, junto do Estado, a resolução de problemas locais que, ora pela sua complexidade, ora pela exigência de recursos humanos e financeiros, não estejam ao seu alcance.

É por essa razão que as freguesias são necessárias, não devendo ser muito grandes nem muito pequenas. Muito grandes, assemelham-se a municípios, e não é essa a sua função. Muito pequenas, assemelham-se a aldeias, nas zonas rurais, ou constituem pequenos núcleos residenciais, nas zonas urbanas. Ora, as freguesias precisam de suficiente dimensão populacional e territorial para cumprirem a sua missão.

A reforma recente delas deveria ter seguido, pois, o critério de Passos Manuel e não o do corte percentual de freguesias por município, de Miguel Relvas, que teve consequências que não foram boas. Trata-se agora de corrigir erros desta reforma, sem pôr em causa os méritos que também teve.

(Público online de 28-2-25)