quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O sistema de eleição municipal deve ser modificado

 O nosso sistema de eleição municipal é pouco amigo do bom governo dos municípios, porque não resolve o problema de haver um órgão executivo ( câmara municipal, constituída pelo  presidente da câmara e vereadores) que não pode  governar com inteira responsabilidade. Tal sucede, ora porque o presidente da câmara está em minoria no órgão a que preside , ora porque tem  uma maioria adversa na assembleia municipal, podendo ainda surgir outros problemas como, por exemplo,  o de estar em minoria na câmara, apesar de ter uma assembleia municipal que lhe é favorável.

Isto é o resultado de a lei vigente obrigar a eleger separadamente a câmara e a assembleia municipal e de não estar ainda a vigorar o poder constitucional de a assembleia municipal destituir a câmara municipal (artigo 239.º. n.º 3, in fine da Constituição)

Este problema não existe na Espanha onde os eleitores elegem diretamente apenas  um órgão semelhante à nossa assembleia municipal ( pleno del ayuntamiento) e este, por sua vez,  escolhe o presidente da câmara (alcalde). É um sistema próximo, nas apenas próximo  do nosso das freguesias, com a importante diferença de que não é obrigatoriamente presidente da câmara o primeiro da lista mais votada, permitindo outras soluções. Acresce que em Espanha existe a possibilidade de a assembleia votar uma moção de censura construtiva que também ajuda a resolver problemas sem necessidade de novas eleições. A moção de censura tem de indicar o presidente da câmara que substituirá o que for destituído.

Em França o problema está também melhor resolvido do que em Portugal porque é eleita diretamente uma assembleia municipal (conseil municipal) que, depois, elege o presidente da câmara (maire). Note-se que se uma lista não tiver  mais de 50% dos votos na primeira volta das eleições haverá uma segunda volta entre as listas mais votadas para facilitar a maioria absoluta. O sistema tem outras particularidades como o “prémio de maioria” que aqui não reproduzimos por razões de espaço.

Em Portugal está em debate uma modificação da nossa lei para aproximar o sistema de eleição dos municípios da eleição para as freguesias. Assim haveria uma só lista como sucede para as freguesias e o primeiro da lista mais votada para a assembleia municipal  seria o presidente da câmara. Depois o/a presidente escolheria a sua equipa de vereadores de entre os membros da assembleia e proporia à assembleia municipal a aprovação dessa equipa.

Se esta equipa  fosse aprovada, entrariam em funcionamento normal os dois órgãos, sendo substituídos pelos eleitos seguintes os membros da assembleia que passassem a ser membros da câmara. Se a lista não fosse aprovada o/a presidente da câmara apresentaria outra ou outras, tentando obter aprovação.

Tenho simpatia por este modo de eleição que deveria vigorar já em 2029, com duas condições.  

A primeira é de que a câmara municipal deveria ter sempre um vereador indicado pela lista da oposição mais votada, para seguir de perto a actuação da câmara. Lembro,  a este propósito,  que o actual ministro Castro Almeida, sempre defendeu que a câmara deveria ter membros da oposição (sem pôr em causa a maioria) para que esta tivesse mais cuidado no seu agir e para poder recolher e tomar em conta a opinião da oposição

A segunda é a de que deveria haver novas eleições passados seis meses das eleições, se, entretanto, o/a presidente não conseguisse aprovar na assembleia a sua equipa de vereadores,  ultrapassando-se assim uma  indesejável situação de impasse.

O sistema actual vigorou até agora com mais ou menos dificuldades porque não havia uma grande fragmentação de listas, mas essa situação mudou. E o bom governo dos municípios exige que o órgão executivo (a câmara) possa executar/governar.

Mas o debate está aberto e seria bom que fosse vivo e rico.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O Quadrilátero Laranja

O regime político democrático  em que vivemos desde há 50 anos assenta em dois grandes partidos: o PSD e o PS. Estes partidos saíram claramente reforçados das eleições do dia 12 de outubro de 2025. Ambos deixaram a larga distância todos os restantes.

Temia-se o comportamento dos eleitores do Chega, mas  estas eleições provaram que boa parte  dos eleitores  deste partido não confunde eleições nacionais com eleições locais, o que é uma boa notícia.

No Quadrilátero -  e pela  primeira vez -  os quatro municípios (Braga, Guimarães, Barcelos e Vila Nova de Famalicão) ficaram todos laranja (alguns em coligação, mas o que mais conta é o partido do presidente de câmara).

O tempo do Quadrilátero rosa, em que só Barcelos resistia, é história do século passado.

De qualquer modo, quer o PSD, quer o PS precisam de fazer um séria reflexão política interna. Se quiserem manter-se como os dois grandes partidos da nossa democracia não podem considerar que está tudo bem na sua organização e funcionamento a nível local, porque não está. E eles sabem que não está.

Tornaram-se partidos que não se abrem à sociedade e é de perguntar, por exemplo, se um e outro não tinham nas instituições de ensino superior neles sediadas (Universidade do Minho e IPCA  entre outras) candidatos/candidatas politicamente  melhores do que os apresentados, nomeadamente para a câmara municipal,  mesmo tendo ganho eleições. Há vencedores que o foram por demérito dos vencidos.

Não se quer dizer com isto  que a Universidade do Minho,  o IPCA  e outras instituições de ensino superior  sejam os únicos lugares onde se podem encontrar candidatos/as de primeira linha, mas certamente é um lugar a ter em conta na procura e isso não se viu.

E também não encontramos nestas eleições candidatos da denominada  sociedade civil  que se tenham evidenciado pela actividade exercida fora do  âmbito político-partidário.

Os militantes fieis, especialistas em vencer lutas partidárias internas (tantas vezes sem olhar a meios) com a finalidade de se candidatarem a presidentes de câmara emergiram no Quadrilátero e fora dele.

É  urgente arrepiar caminho, porque de outro modo isto vai correr mal para a democracia, entendida como o único regime que se conhece baseado na dignidade das pessoas e empenhado na “construção de uma sociedade, livre, justa e solidária” como bem estabelece o artigo primeiro da nossa Constituição.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Moção de censura nos municípios


Desde 1976 , que a Constituição da República Portuguesa  estabelece que a câmara, órgão executivo do município, é responsável perante a assembleia municipal,  órgão deliberativo do município.

Essa responsabilidade implica, em bom rigor,  que a aprovação de uma moção de censura pela assembleia municipal determina a queda do órgão executivo. E isso já era defendido firmemente pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, embora não seguido pela maioria da doutrina pelo facto de essa queda não estar devidamente regulada pela lei.

E assim se compreende que na revisão constitucional de 1997 se estabelecesse no seu  artigo 239.º,  n.º 3 que uma lei, que deveria ser aprovada por maioria de 2/3 dos deputados, regulasse não só o sistema eleitoral, mas também os requisitos da constituição e destituição  da câmara e o seu funcionamento.

Ora, passados mais de 25 anos, essa lei da Assembleia da República está por publicar, revelando por parte dos deputados claro e continuado  desrespeito pela Constituição. Trata-se de uma evidente inconstitucionalidade por omissão.

E revela também, por parte das assembleias municipais, a sua fraqueza, pois doutro modo teriam agido colectivamente, reivindicando fortemente  perante a Assembleia da República e demais órgãos de soberania um direito constitucional que lhes cabe. A regulação desse direito modificaria profundamente a posição das assembleias municipais no governo do município.

A câmara municipal saberia que dependeria da vontade da  assembleia municipal e actuaria,  tendo sempre esse facto em conta. É certo que já hoje depende nas deliberações fundamentais do município, desde a aprovação do orçamento aos contratos públicos, aos empréstimos e aos planos de urbanismo, por exemplo. Mas como a assembleia não pode derrubar a câmara acaba por articular-se, em regra,  com ela para que o município não seja muito prejudicado.

Dir-se-á que essa moção de censura de pouco valeria, sempre que houvesse maioria absoluta de uma força política, mas não pode esquecer-se que mesmo em maioria absoluta há sempre a possibilidade de haver tensões política no grupo da maioria (por boas ou más razões)  e uma aprovação de uma moção de censura não seria então de pôr de parte.

Ainda contra a moção de censura que destituiria a câmara municipal poderá dizer-se que perturbaria o governo municipal, que o município ficaria sem câmara e obrigaria a novas eleições.

Pode contrapor-se,  no entanto, que num município que aprova uma moção de censura já o governo municipal não funciona certamente bem e se a queda da câmara provocasse como a nosso ver deveria a queda também da assembleia, as eleições seriam para os dois órgãos e seriam os eleitores a ter a última palavra na solução da crise política local. A assembleia teria o cuidado de não aprovar levianamente uma moção de censura porque saberia as consequências que essa aprovação teria.

Sem moções de censura, nos termos que a Constituição estabelece, as assembleias ocuparaão sempre um lugar secundário no município.

(DM-2-10-25) .


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Não vivemos tempos normais

 Não vivemos tempos normais. Em tempos normais, escreveria sobre as eleições locais gerais que estão aí a menos de um mês (12.10.2025). Porém, os tempos que estamos a viver não são normais e exigem que estejamos atentos ao que se está a passar no mundo à nossa volta. A referência a essas eleições locais fica apenas para uma espécie de nota de rodapé deste texto.

Devemos começar pelos Estados Unidos da América que até há pouco tempo, tinha presidentes que respeitavam a Constituição com as suas instituições democráticas  e respeitavam  nomeadamente os tribunais. Agora não. À frente dos Estados Unidos da América  está alguém que não é uma pessoa em que se possa confiar. Quão longe está este homem de qualquer presidente da república dos Estados Unidos,  republicano ou democrata,  que conhecemos desde 1945!  E é um joguete nas mãos do senhor da Rússia.

E eis outro perigo mundial. O ditador da Rússia, a pretexto de exercícios militares, invadiu a Ucrânia e trouxe para a Europa uma guerra que não esperávamos,  que já dura há mais de três anos e sem fim previsível.

Mas não basta. Temos a China, uma ditadura com um poderio militar e económico enorme, que vai emergindo para se tornar a maior potência mundial e quando  essa potência é uma ditadura férrea tudo temos a temer.

Deixamos para o fim verificar o que pode fazer de mal um pequeno país como Israel, que dizem ser uma democracia, esquecendo que uma democracia não mata indiscriminadamente mulheres e crianças, não utiliza  quaisquer meios para atingir os fins que pretende. Como é possível estar a suceder na terra onde Jesus Cristo nasceu o que vemos todos os dias nas televisões e lemos nos jornais?  Não estamos sequer a viver os tempos do Antigo Testamento em que a violência e a vingança tinham lugar, estamos muito para trás para tempos de bárbaros. Barbárie que reina em muitas outras partes do mundo e a que quase não damos atenção.

No meio disto que fazer? O que pode cada um de nós fazer? Lutar e resistir. Não ir por aí, mesmo que esteja em curso a III Guerra Mundical de que o Papa Francisco frequentemente  falava, mas que poucos levávamos a sério.

Diz-se que hoje não há perigo de Guerra Mundial , porque dadas as armas nucleares que as grandes potências possuem com poder destrutivo de toda a humanidade nenhuma delas  se atreve a avançar com elas.  Ninguém ganharia.

Mas isso é confiar na racionalidade dos governantes das grandes potências  e essa confiança não é de nenhum modo segura. Em desespero e estando a perder a guerra, qual delas  pouparia o seu arsenal nuclear?

Neste momento já é bom lutarmos pelo adiamento dessa guerra, esperando por melhores tempos. E por estranho que pareça podemos lutar pela Paz, participando nas eleições locais que se aproximam, dando apoio a quem nas nossas freguesias, nos nossos municípios demonstra rejeitar o terror (qualquer tipo de terror), a violência, o ódio e a Guerra. Importa conhecer bem o pensamento e a acção de quem pretende ser eleito.

(DM-18-9-2025)

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

As assembleias municipais : parlamentos locais débeis

         O jornal Expresso na recente edição de 29 de Agosto de 2025 e no seu caderno principal dá largo relevo a um estudo efectuado pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDREL),  instituição privada sem fins lucrativos e de utilidade pública, com sede em Braga,  sobre a organização e funcionamento das assembleias municipais do nosso país.

Foram inquiridas e responderam as 308 assembleias municipais do nosso país e o estudo está na fase final de conclusão para ser publicado e apresentado durante o presente mês de Setembro.

A jornalista Cláudia M. Almeida fez um bom trabalho e o jornal por critérios editoriais próprios, deu especial relevo aos problemas da paridade com uma baixa participação de mulheres na composição deste órgão (31,1% ) e da idade dos membros, indicando que o número de membros das assembleias municipais com idade inferior a 35 anos é inferior a 10%.

São dados importantes seguramente, mas também  importantes são outros dados que o estudo procura abordar e que merecem ser destacados, compreendendo-se que não houvesse espaço para o fazer na peça jornalística do Expresso.

As assembleias municipais são na sua essência parlamentos locais com a missão não só de aprovar as deliberações de maior relevo para o município, desde logo o orçamento, mas também de fiscalizar a acção da câmara municipal, podendo votar moções de censura à mesma.

Ora, para bem desempenhar estas duas importantes funções é fundamental que as assembleias tenham membros politicamente qualificados, independentemente do sexo e da idade.

A qualificação política não exige necessariamente títulos académicos ou outros. Ela manifesta-se no bom conhecimento dos assuntos do município respectivo, no debate dos mesmos e nas deliberações fundamentadas subsequentes.

Para que assim suceda os candidatos das diversas listas devem ter conhecimento desses assuntos ou vontade de os bem conhecer e devem provir sempre que possível de várias áreas do saber.

Por sua vez, os eleitos devem estar, em regra, integrados em grupos municipais, com instalações adequadas e próprias e dispondo de pessoal da sua confiança durante o tempo de  exercício do seu mandato. Tenha-se em conta que os membros das assembleias municipais não exercem funções a tempo inteiro e não dispõem, por isso, de tempo para obter a informação de que precisam para intervir nas reuniões. O pessoal de apoio, em número que depende da dimensão do município e de cada grupo municipal, ajuda a resolver esse problema.

As assembleias, por sua vez, não reunem apenas em plenário através de sessões ordinárias e extraordinárias. Podem e devem reunir em comissões permanentes sectoriais que devem ser constituídas no início do mandato para os domínios de maior responsabilidade do município como sejam, desde logo,  o urbanismo e as finanças. É função destas comissões apreciar os assuntos a submeter a plenário, estudando-os e fazendo relatório o que muito ajudará a enriquecer o debate em plenário.

Sem estes dois meios:  grupos municipais apoiados e comissões sectoriais a assembleia dificilmente poderá cumprir devidamente a sua missão, mesmo tendo membros qualificados.

As assembleias municipais devem, por outro lado, prestar contas da sua actividade fazendo um autocontrolo através de um  relatório  anual detalhado, inclusive do ponto de vista financeiro, que deverá ser publicado e apreciado numa reunião plenária da assembleia.

Dir-se-á que em Portugal não há lei que tal permita expressamente, como sucede na vizinha Espanha,  mas a verdade é que também não proíbe e antes dá abertura para essa permissão no artigo 31.º, n.º 3, parte final,  da Lei n.º 75/2013 e há uma assembleia onde tudo isto ocorre  que é a de Lisboa, sendo a lei das autarquias igual para todas as assembleias do país. 

Uma última nota para dizer que uma assembleia municipal que se preze não deixará de lutar isoladamente e em grupo para que as moções de censura à Câmara municipal, que apresentem e aprovem, tenham o efeito que a Constituição determina no seu artigo 239.º n.º 3, parte final, que é a destituição do órgão executivo. Há mais de 25 anos que se espera pela lei que regule essa destituição e a não aprovação dessa lei evidencia a debilidade do poder das assembleias municipais, apesar de muitas delas  terem deputados da Assembleia da República.

(DM-4-9-25)

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A instrumentalização das eleições locais de 2025


Se bem repararmos, o debate público sobre as eleições locais gerais de 2025 centra-se fundamentalmente sobre o significado nacional destas eleições. Tenta-   -se saber quem as vai ganhar e que resultados vão obter os restantes partidos e  movimentos de independentes.

É seguramente bem pobre um debate que faz destas eleições um jogo de vencedores e vencidos a nível nacional, quando o importante  é saber o que têm as diversas forças políticas concorrentes para oferecer,  tendo em vista o bom governo dos respectivos municípios e freguesias.

Centremo-nos, pela sua particular importância - e pelo espaço de um artigo - nas eleições municipais. O bom governo municipal não exige só uma boa presidência de câmara. É do maior interesse a equipa de vereadores/as  e o  programa da lista. Ora, quais os partidos ou forças políticas que, para além das fotos do/a presidente, profusamente distribuídas demonstram apresentar uma equipa de vereadores  e um programa bem elaborados e com divulgação  em local próprio de fácil acesso?

Esse local próprio deveria ser, para a grande maioria dos concelhos (pelo menos os de mais de 10.000 eleitores), uma página web, contendo informação detalhada sobre as listas, o programa e as actividades realizadas e programadas. Seria uma excelente fonte de propaganda e de aproximação aos eleitores, completada com remissões para as redes sociais e destas para a página web.

Repare-se que uma página web  simples é barata e fácil de actualizar e só a incúria, nomeadamente dos principais partidos, pode justificar a sua ausência, recorrendo ao facilitismo do “facebook” e outras redes sociais , como resulta de uma rápida  pesquisa na net. Aliás, essa página web poderia e deveria manter-se permanentemente dedicada ao acompanhamento do governo do município durante o mandato, constituindo uma espécie de sede digital da força política em causa.

Acresce que o bom governo dos municípios exige  assembleias municipais devidamente organizadas, com membros interessados pelos problemas do município, com grupos municipais devidamente estruturados e instalações próprias e acompanhados de apoio de pessoal e  de apoio financeiro. Exige também  comissões permanentes sectoriais, desde logo de urbanismo e  de finanças, para preparar os assuntos a debater em plenário.  Que pensam fazer as listas concorrentes para tornar as assembleias municipais verdadeiros parlamentos locais, como devem ser? Têm consciência de que, em média, as assembleias municipais pesam apenas  cerca  de 0,1% da despesa anual do município?

Ainda no que respeita às a assembleias municipais quando se concretizará, legislativamente, o preceito constitucional que, desde 1997, ordena que a aprovação de uma moção de censura pela assembleia tenha como efeito a destituição da câmara municipal?

E o que pensam fazer as listas para qualificar o pessoal ao serviço do município, especialmente ao nível dos quadros superiores, tendo em conta a enorme responsabilidade que lhes cabe?  Como pode funcionar bem um município sem bons quadros técnicos?

Deixamos para o fim o debate sobre o nosso singular sistema de governo municipal. O sistema da eleição directa dos dois órgãos colegiais ( câmara e assembleia) pelo método d’Hondt tem funcionado, em geral,  relativamente bem, mas apenas pelo facto de o nosso sistema de partidos se ter mantido até há pouco tempo  largamente bipartidário com vitórias absolutas de um dos grandes partidos nacionais. Agora, com a bem previsível fragmentação partidária, parece aconselhável um sistema semelhante aos das freguesias ou uma adaptação do atualmente existente. É um bom tema para debate se queremos fazer das eleições locais um tempo da maior importância para a democracia e não uma mera sondagem de âmbito nacional.

(Público, 3-9-25

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A Imprensa regional que faz falta

O artigo que segue é uma opinião, porventura polémica e, como opinião que é, está sujeito à crítica, o que se aceita desde já.

Louva-se muito a importância de imprensa regional e com razão, mas faz falta a crítica à imprensa regional. Desde logo, importa ter presente que a maior parte da denominada imprensa regional não o é. A grande maioria da imprensa “regional” do nosso país é meramente municipal.

Não há mal em haver imprensa municipal, principalmente nos grandes e médios concelhos. O mal está noutro lado. Muita desta imprensa municipal e muita da imprensa regional não tem jornalistas de investigação ou, pelo menos, jornalistas que tenham tempo para aprofundar as notícias que surgem e osfactos que não são notícia, por estarem escondidos.

À partida, seria a imprensa verdadeiramente regional que estaria em melhores condições para ter jornalistas dedicados a esse trabalho, mas muitas vezes não tem ou não tem em número suficiente para fazer o trabalho que lhes compete.

Nestas condições temos uma imprensa regional/local sem jornalistas ( ou sem tempo para fazer jornalismo fora das tarefas exigentes da preparação de cada edição) e o que sucede é triste. Abrimos, de um modo geral, esses jornais e o que neles vamos encontrar é mera informação/propaganda da ou das câmaras municipais (e as câmaras municipais estão cada vez mais apetrechadas e preocupadas em tomar conta do espaço dos jornais, colocando neles as “notícias” que lhes interessam) e encontramos também, frequentemente (mas nem em todos), comunicados ou posições da oposição/oposições, que valem o que valem, porque estas também só transmitem o que lhes interessa e muitas vezes estão longe de ser fiáveis.

Com jornais assim não vamos longe e quem perde são os leitores e os eleitores em tempo de eleições. Para não se dizer que estamos apenas a escrever generalidades, vamos descer ao concreto e dar exemplos de um município.

Esse município é Famalicão e espelha bem o que dissemos. Existem, na sede do concelho, três semanários e um mensário impressos (em Agosto estão de férias) e um jornal apenas digital. Todos têm uma característica comum: não têm jornalistas com tempo disponível para vir para a rua e dar aos leitores uma informação mais detalhada do que acontece de relevante no concelho.

Damos alguns de muitos exemplos. Aprovou-se durante o mandato que agora termina a instalação numa parte do concelho Outiz/Calendário/Vilarinho das Cambas de uma central fotovoltaica de produção de energia electrica, cobrindo uma área de cerca de 80 hectares e acolhendo mais de 100.000 (cem mil) painéis solares no meio do maior segredo. Foi apenas quando se começaram a derrubar árvores (sobreiros inclusive) na concretização da instalação que este assunto foi trazido para os jornais e debatido. Já era tarde. Um jornalismo atento não teria permitido este segredo e daria informação que ainda hoje não temos.

Outro exemplo. A Câmara aprovou e deu até grande relevo no seu boletim de propaganda (o denominado “boletim municipal”) e num bom vídeo na net - que vale a pena ver - a um projecto ambiental do maior interesse que ficou conhecido como a “Paisagem Protegida das Pateiras do Ave” na extensa freguesia de Fradelos. Ao que parece, interesses económicos bem fortes opuseram-se e tiveram êxito. O projecto foi abandonado durante o presente mandato e depois de várias peripécias instala-se naquele local um estranho Pavilhão Multiusos cuja história detalhada está por fazer. Os jornais locais não trataram devidamente este assunto.

Outros exemplos poderiam ser dados, tais como o “Ecoparque de Esmeriz”, a recentíssima ampliação de uma indústria de produtos químicos perigosos em Landim, a aprovação da instalação no centro da cidade de estabelecimentos do Lidl e do Continente ( prejudicando a habitação) e outros.

Também tinha o maior interesse que a imprensa local nos desse informação neste tempo eleitoral da grave crise que assola o PSD e também, em boa parte, o PS em Famalicão . Mas como é isso possível se não há jornalistas com tempo disponível?

Devemos concluir que a imprensa local/regional não faz falta? De nenhum modo. Faz falta, mesmo assim, até porque dá, desde logo, informação provinda de associações e instituições locais, mas não nos devemos contentar com o seu estado actual. Importa que tenha meios para bem exercer o seu papel. Tema para outro artigo e para questionar o sempre falado apoio do Estado à imprensa regional que tão preciso é.

(DM-21-8-25)