quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Arcos e Barca: e porque não?


 O Alto Minho de 3 de Janeiro de 2025 titulava a toda a largura, na página 21,  colocando estas palavras de Alfredo Dantas, arcoense da diáspora: “Se Arcos e Barca fossem um concelho único era muito melhor.”

Fui ver alguns dados sobre estes dois concelhos e verifiquei que Arcos de Valdevez tem uma superfície  de 447 Km2 e uma população de  cerca de 21.000 habitantes e Ponte da Barca tem uma superfície de 182 Km2 e uma população de 13.000 habitantes ( dados de população em ambas de 2021).

Ora se juntássemos os dois ficaria um concelho de cerca de 630  Km2 com uma população de 34.000 habitantes, ou seja,  concelho muito mais forte. Na superfície,  ultrapassaria a média do país que é de cerca de 300Km2 por concelho, mas é de ter em conta que muita parte desse território seria na serra e em população um concelho com 34.000 habitantes é outra coisa.

E já se reparou bem que as sedes dos dois concelhos são vizinhas? E que muitas vantagens adviriam em recursos humanos, financeiros, urbanismo e ordenamento do território entre muitas outras?  Haveria desvantagens, certamente. Mas aquelas  não superariam estas?

Não conheço bem os dois concelhos, não sei as rivalidades que há entre eles ( mas se as há,  isso é coisa que passa e é argumento pobre), mas sei  - e defendo -  que os concelhos devem ser fortes. Portugal precisava de uma reforma dos municípios de modo a termos concelhos sempre que possível a rondar os 50.000 habitantes e nunca com menos de 20.000 habitantes. Isso nem sempre será possível no nosso país por termos, principalmente no interior,  muito território e pouca população, mas deverá fazer-se  nas restantes situações e Barca e Arcos é um exemplo claro.

De que se está à espera para formar um movimento nesse sentido ( por informal que seja)  com naturais de um e outro concelho, mesmo da diáspora, formando sem pressas uma opinião pública favorável nesse sentido?

Importa dizer que ao mesmo tempo que defendemos concelhos fortes não defendemos freguesias grandes. As freguesias não são, nem devem ser  pequenos municípios, mas entes de proximidade que devendo ter uma população mínima (freguesias demasiado pequenas não são adequadas para cumprir a sua missão) não devem ter uma população tal que deixe de falar-se em proximidade (vizinhança). A reforma das freguesias de 2013 só foi má porque foi feita com absurdos cortes percentuais por concelho, juntando freguesias que nunca deveriam ter sido juntas e que agora importa desagregar. Mas isso é outro tema.

Sobre concelhos muito mais haveria a dizer para bem do bom governo do nosso país. Deveriam ter técnicos qualificados e, por isso, devidamente pagos. Os eleitos a exercer a tempo inteiro deveriam também eles ser melhor pagos. A oposição ( sim, a oposição, pois sem oposição não há democracia!) deveria ter uma estatuto que não tem. E muito mais haveria a dizer.

( Alto Minho - 2-1-25)  

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O Elogio das Freguesias

 O melhor elogio das freguesias que, a meu ver, foi dado até hoje pertence a António Rodrigues Sampaio (1806-1882), ilustre político e jornalista, natural de Esposende, que nos trabalhos preparatórios do Código Administrativo de 1878 ( o mais descentralizador dos Códigos Administrativos publicados em Portugal) escreveu: “Não é o município uma associação natural. Depois da família, que o Estado não criou, mas encontrou estabelecida, temos uma associação quase tão natural como ela, e que a lei não poderia suprimir sem violentar a natureza das coisas, é a freguesia ou  paróquia(…)”.

É verdade que isto foi escrito há cerca de 150 anos, mas também é verdade que nos dias de hoje as freguesias existem, as pessoas moram em freguesias rurais ou urbanas, aí passando a maior parte do tempo, apesar da mobilidade que não existia nessa época.

As pessoas continuam a precisar de uma casa digna, de um bom ambiente em volta dela, de bons vizinhos e de comodidades que a vida em sociedade exige tais como ruas e passeios bem conservados, espaços públicos para crianças e pessoas de idade, proximidade de infantários e escolas, farmácias e centros de saúde, segurança, assistência social, estabelecimentos comerciais para compra de alimentos e outros bens e serviços .

Para tudo isso uma freguesia urbana ou rural pode dar uma boa contribuição. Há coisas que elas próprias podem fazer com o seu pequeno orçamento como, por exemplo, obras de construção ou reparação, mas há outras a que não se dá a devida atenção e em relação às quais as freguesias, através das suas juntas, muito podem fazer. Assim como os municípios estão sempre a reivindicar junto do Estado obras e investimentos da mais variada natureza para os seus munícipes também as freguesias podem e devem reivindicar junto do município a satisfação de necessidades da freguesia para bem dos seus habitantes.

Não se pode esquecer que os municípios têm de atender a um território que tem muitas vezes mais de 100 Km2 e a uma população de dezenas de milhar de pessoas e, por isso, não estão na primeira linha das suas preocupações as necessidades muito específicas de cada uma das suas freguesias. Se estas não se movimentarem para lutar por aquilo a que os seus residentes têm direito, muito provavelmente eles serão prejudicados.

Poderíamos dizer que os moradores poderiam dirigir-se ao município para dar conta dessas necessidades sem precisar da freguesia, mas sabemos como isso demora e a burocracia impera na câmara municipal.

Uma freguesia, com uma junta, activa e próxima dos moradores  -  e por isso as freguesias não devem ser muito grandes, pois então as juntas burocratizam-se e conversar com os membros da junta é quase tão difícil como falar com os membros da câmara -  permite que estes se dirijam facilmente à junta que deve  ter horário de abertura adequado  e ter pelo menos um funcionário, ainda que a tempo parcial  -  e também, por isso, as freguesias não devem ser muito pequenas, pois  então também nem sequer têm meios para pagar a esse funcionário) e apresentar os problemas que devem ser resolvidos.

Só não se  aprecia uma freguesia, quando esta funciona mal e não cumpre a importante missão que a lei põe a seu cargo. 

E não é tanto de muito dinheiro que as freguesias precisam é de muita dedicação dos que nela habitam e que frequentemente não existe, porque perdemos a noção de bem comum local e agimos a pensar apenas em nós. Mas esse é um outro problema a merecer tratamento em separado.

(DM - 26-12-24 - texto revisto depois de publicado)

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Greves e Direitos Fundamentais dos Cidadãos

Não é por mudar o Governo que mudo de ideias quanto às greves nos serviços públicos essenciais. As greves nestes serviços são uma forma de luta que atinge em primeira linha os direitos fundamentais dos cidadãos e de entre estes, em regra, os dos mais frágeis, e só secundariamente a actuação do Governo de turno.

São os cidadãos, na verdade, os primeiros a sofrer os efeitos das greves nos serviços de saúde, vendo adiar consultas, operações, tratamentos e ainda muito recentemente atendimentos de emergência.

O mesmo sucede  nas greves que ocorrem nos tribunais, quando os cidadãos esperam sentenças que lhes farão justiça e que,  mesmo sem greve, são já muitas vezes tardias.

E quem sofre mais as greves nos transportes públicos senão os cidadãos que precisam deles para ir para o trabalho, para uma consulta  hospitalar, para fazer chegar os filhos a horas  a uma escola e não têm outro meio de transporte?

E não são os cidadãos que não têm meios para colocar os filhos em boas escolas privadas os que mais são prejudicados  com as greves nas escolas públicas?

Podíamos estender a lista e verificar que em todos estes e outros casos estas greves violam direitos fundamentais dos cidadãos  relativos ao acesso à saúde, à justiça, à mobilidade, à educação e outros.

E por isso, o primeiro dever dos sindicatos é prever os efeitos da greve que se propõem fazer sobre os direitos dos cidadãos, só avançando com elas em último recurso.

Por isso, a segunda obrigação dos sindicatos é tornar claras e compreensíveis as suas reivindicações de modo que os cidadãos percebam que são justas e necessárias. Os cidadãos  têm esse direito porque são eles o verdadeiro patrão dos grevistas.

Por sua vez, o Governo que é o  gestor e não dono  do dinheiro, que os grevistas exigem -  e é praticamente sempre de uma forma ou outra o dinheiro que está em causa – tem a obrigação de dizer clara e detalhadamente as razões da não satisfação das reivindicações ou em que medida as podem satisfazer.

As greves nos serviços públicos essenciais não são, pois,  uma mera questão entre sindicatos e Governo. Os cidadãos também contam e têm o direito de formular o seu juízo sobre elas.

Acresce que se assiste hoje a uma banalização da utilização do direito à greve na função pública que não é admissível. E muito menos quando estão em causa, repetimos, direitos fundamentais dos cidadãos.

Pior ainda, quando se avança para uma greve, sabendo-se que se põe em causa a vida das pessoas. Uma greve no INEM  faz soar todas as campainhas de alarme e ninguém (Governo ou Sindicatos) pode dizer que é alheio ao que pode ocorrer no decurso das mesmas. Nenhum pode dizer que não tem culpa.

 (DM - 14-11-24)

 

 

 

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A Criação de Freguesias, a Lei e a Constituição

Os juristas têm fama de serem pessoas que escrevem de forma complicada de tal modo que as pessoas desistem de ler o que escrevem. Mas também é verdade que frequentemente os juristas complicam assuntos que bem poderiam ser apreendidos pelo leitor comum.

Vamos dar um exemplo, procurando descomplicar. Pode uma freguesia que neste momento está unida a outra por uma união de freguesias desligar-se dela, recuperando a sua existência, sem obter a permissão da assembleia da união de freguesias?

A nosso ver pode, apesar de a lei dizer o contrário. E pode porque a Constituição está acima da Lei. Com efeito , quem tem o poder de unir ou desagregar freguesias é apenas a Assembleia da República que no seu artigo 164.º, al. n) estabelece que é da exclusiva competência desta criar, extinguir e modificar autarquias locais e o respectivo regime ( de criação, extinção e modificação de autarquias locais), sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas.

Deixemos de lado as regiões autónomas e centremo-nos no continente, na criação de freguesias, que é uma das categorias das autarquias locais e fixemo-nos no exemplo dado. Ora, tendo em conta este preceito constitucional a Assembleia da República e só ela pode criar em concreto freguesias.

E se a Assembleia da República autolimitar este seu poder e publicar uma lei, como publicou, que estabelece que ela só pode criar uma freguesia (desfazendo a união existente) se a assembleia de freguesia da união de freguesias o permitir (artigos 11.º e 12.º da Lei n.º39/2021, de 24 de Junho) ?

Está aqui um problema complicado. A Assembleia da República nos termos da Constituição pode - e só ela pode - criar freguesias, mas ela mesmo abdicou desse poder, deixando-o nas mãos, desde logo, da assembleia de freguesia da união de freguesias.

A Assembleia da República está assim dependente da vontade da maioria desta assembleia. Se a assembleia de freguesia da união de freguesias não aprovar a criação (que mais não é do que uma restauração) da freguesia nada mais há a fazer, nos termos desta lei.

Ora, pode ser assim? Por esta lei pode, mas não pela Constituição e é esta quem manda, como dissemos.

A Constituição ao atribuir a competência exclusiva da Assembleia da República para criar freguesias não permite que esta abdique desse seu poder. E porquê? Porque a Assembleia da República não pode desfazer o que a Constituição estabeleceu. Tem de a cumprir. A competência exclusiva da Assembleia da República é irrenunciável, dizemos em direito.

A Lei n.º 39/2021 é inconstitucional nesta parte e não deve ser cumprida. O que a Assembleia da República podia ter feito era permitir que a assembleia da freguesia da união de freguesias desse um parecer sobre a pretensão da freguesia que pretende desligar-se. Mas desse apenas um parecer não vinculativo que a Assembleia da República deveria ponderar e seguir ou não.

Assim se uma freguesia quiser ser independente e a assembleia da união de freguesias não o deixar, pode ir para Tribunal e invocar a inconstitucionalidade da deliberação , pedindo que a sua pretensão avance, mesmo contra a vontade da assembleia da união de freguesias.

É o que podemos dizer em tão pouco espaço, esperando que o leitor compreenda.

(DM - 31-1024)

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

É preciso dar mais vida às assembleias municipais

                                                                                        

Foi apresentado na Escola de Direito da Universidade do Minho, no dia 16 de Outurbro de 2024,   o Anuário da Assembleias Municipais de 2022, contendo as respostas das 308  existentes  no país. O Anuário é um estudo académico  relativo a 31.12.22, mas tem inteira actualidade porque desde então a situação das assembleias municipais não se alterou substancialmente.

Desse anuário destacam-se, entre muitos outros,  os seguintes factos e  conclusões:

 As nossas assembleias municipais não têm, em regra, um número muito elevado de membros, ao contrário do que é opinião corrente. Cerca de 90% as assembleias têm menos de 45 membros e mais de metade tem 28 membros ou menos.

Do total de  9 544 membros das assembleias municipais, 6 563 são do sexo masculino (68,8%) e 2 981 são do sexo feminino (31,2%),o que demonstra uma clara predominância de membros eleitos  de um dos sexos.

Resulta também que a grande maioria das assembleias tem na sua composição  maioria absoluta de uma força política isolada ou em coligação.

No que respeita a instalações, mais de metade das assembleias municipais não tem instalações próprias, o que muito limita a sua actividade. E também no  que respeita a pessoal    metade das assembleias não tem  pessoal próprio e as que o têm é na quase totalidade pessoal administrativo.

São também escassos os recursos financeiros da maioria das assembleias municipais , não tendo verba própria para financiar actividades que entenda fazer.

É no entanto positivo que mais de metade das assembleias  tenham já  transmissão online  das suas sessões. 

 Os grupos municipais são fundamentais para o bom funcionamento das assembleias, mas ainda há um significativo número  delas que não têm grupos municipais na sua organização e as que  os possuem não lhes dão o apoio devido em instalações,  meios humanos e financeiros.

Tão importantes como os grupos municipais são as comissões permanentes  da assembleia compostas por membros de todos os grupos municipais, pois permitem preparar devidamente o debate dos assuntos a discutir nas sessões ordinárias ou extraordinárias da assembleia, principalmente quando elaboram relatórios, ainda que sucintos, sobre eles.

Problema sério por resolver é  também a publicação da lei que estabelece a destituição da câmara municipal por aprovação de voto de censura por parte da assembleia municipal  como exige o artigo 239.º, n.º 3, última parte).

(DM – 17-10-24)

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A Revolução e o Direito


Ocorre, amanhã,  dia 4 de Outubro de 2024,  o XVII Encontro de Professores de Direito Público na Escola de Direito da Universidade do Minho aberto a quem queira assistir, tendo como tema “ Revolução e Direito”, exactamente no ano em que ocorre o cinquentenário da Revolução de 25 de Abril de 1974. O programa pode ser consultado na net e particularmente no sítio oficial da Escola de Direito.

Este tema pode ser abordado de vários modos, um dos quais o que a Revolução trouxe para a profunda modificação do Direito nomeadamente nos domínios do Direito Constitucional, do Direito Administrativo e ainda no Direito Internacional Público, mas também pode ser abordado no início no período que vai do dia da Revolução em 25 de Abril de 1974 até às eleições legislativas de 25 de Abril de 1976, já com a Constituição da República Portuguesa em vigor.

Atrevo-me a escrever breves notas sobre esse período que vivi. No dia 25 de Abril não aconteceu um mero golpe militar, mas claramente o início de uma Revolução e isto porque a acção militar então desenvolvida não se destinava apenas a derrubar os governantes de então, mas a instituir um novo regime inteiramente contrário ao que vigorava e cujas linhas essenciais  constavam de um documento intitulado “Programa do Movimento das Forças Armadas”.

Neste, anunciava-se nomeadamente  “ a convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal directo e secreto”; a extinção imediata da polícia política então denominada “DGS”; a “abolição da censura e exame prévio”; a “liberdade de reunião e associação”; e a “liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma”.

Era a devolução do poder político aos cidadãos e assim a construção da democracia que começava naquele dia. Não foram fáceis os dias seguintes, depois de um período inicial de euforia popular de que o 1.º de Maio de 1974 foi  ponto alto.

A liberdade que o 25 de Abril de 1974 trouxe permitiu que se manifestassem diversas correntes de opinião da direita à esquerda e com elas as divisões políticas e a luta pelo poder. Foram tempos também de excessos com concepções bem diferentes de democracia. Mas as prometidas eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975 fizeram-se com uma participação popular como nunca ocorreu na nossa história (mais de 90% de votantes) e um resultado que marca até hoje o regime político em que vivemos, com a expressiva votação no PS e no então PPD (hoje PSD).

A intensa agitação ocorrida no Verão de 1975 acalmou depois de 25 de Novembro do mesmo ano. A Constituição fez-se e foi aprovada em 2 de Abril, contendo no essencial, os princípios do Estado de Direito Democrático, pese alguma tutela militar, que findou com a revisão constitucional de 1982.

Em 25 de Abril de 1976, realizaram-se eleições legislativas, das quais saiu o primeiro governo constitucional e de novo PS e PPD, defensores de uma democracia baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular manifestada em eleições obtiveram larga maioria de votos (quase 60%).

A democracia anunciada em 25 de Abril de 1974 consolidou-se e mantem-se passados 50 anos. Importa defendê-la, cumprindo o notável artigo 1.º da nossa Constituição. Temos todos muito trabalho pela frente.

(Publicado no DM de 3-10-24)

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Os boletins municipais de propaganda

 Um município, usando o dinheiro dos munícipes, elaborou mais um boletim municipal de que é director o respectivo presidente da câmara, contendo 72 páginas em formato A4, pleno de cores, com uma edição de 50.000 exemplares e distribuição gratuita.

É fácil imaginar o conteúdo desse boletim. O município em causa é paradisíaco. São obras, são festas, são eventos desportivos e culturais, são êxitos, são prémios. É um município criativo e  feliz.

Problemas? Nem pensar. Reservar algum espaço para a oposição acompanhar a felicidade que existe no município? Mas que ideia tão despropositada!

E porque nesse município como em todos os outros os problemas são muitos e sérios devem os munícipes ficar em silêncio?

Devem, se consideram que é normal em democracia que aqueles que exercem o poder façam propaganda com dinheiros públicos. Pelo contrário deve agir e combater tais boletins  se prezam a democracia e consideram que os titulares do exercício do poder não podem utilizar o dinheiro que não lhes pertence para se elogiar, certamente já a pensar em próximas eleições.

Importa ter presente a este propósito  que, nos termos da lei, os boletins municipais destinam-se a publicar as deliberações dos órgãos do município, bem como as decisões dos respectivos titulares destinadas a ter eficácia externa (ver  artigo 56.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro). É bom exemplo do cumprimento da lei o boletim  municipal de Lisboa e o do Porto. Haverá certamente outros, mas não os conheço. Boletins que fazem pura propaganda do município são ilegais, por se desviarem da sua finalidade. Merecem censura desde logo por parte da Inspecção Geral de Finanças (IGF), como entidade de tutela dos municípios.  Pedimos à IGF informação sobre este assunto, mas ainda não teve tempo para dar uma resposta.

Acresce que boletins como o referido são expressamente proibidos, em França, cuja lei das autarquias locais obriga os municípios com mais de 1.000 (mil) habitantes, bem como os departamentos e as regiões administrativas, a reservarem espaço para os eleitos locais da oposição exprimirem os seus pontos de vista. Em França, este direito dos eleitos da oposição abrange a própria página oficial (site) dos municípios, quando ela contém informação sobre as realizações que  ocorreram (artigo L.2121-27-1 du Code général des collectivités territoriales) e os tribunais têm sido chamados frequentemente a pronunciar-se.

Em Portugal não temos e deveríamos ter uma norma semelhante, mas será difícil que tal suceda. PS e PSD, que dominam a quase totalidade dos municípios, gostariam dela sempre que estivessem na oposição , mas já não a apreciariam quando fosse a sua vez de estar  no governo do município. Uma tal norma mancharia a “beleza” do boletim e retiraria o gosto de os publicar.

(Publicado online no jornal "Público" de 17-09-24)