quinta-feira, 8 de junho de 2017

A via francesa da regionalização

O general Charles de Gaulle, Presidente da República francesa, depois da crise de maio de 1968 (revolta dos estudantes e greve geral), dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas, que venceu, em junho do mesmo ano, com ampla maioria absoluta.
 

Apesar de aconselhado a não o fazer, De Gaulle abusou da consulta popular e submeteu de novo os franceses, em 1969, a um referendo através do qual pretendia o apoio para instituir Regiões administrativas e fazer uma reforma do Senado.
 

Note-se que esta ideia de regionalização era falada em França, desde meados do século XX e estava muito ligada ao planeamento e ao desenvolvimento regional. O referendo, realizado em 27 de abril de 1969, tornou-se um plebiscito e os franceses entenderam que a melhor forma de manifestar o seu desagrado em relação a De Gaulle, que estava na presidência desde 1958, era votar contra (52% dos cidadãos votaram “Não”). Desse modo, a regionalização e a reforma do Senado ficaram sem efeito e o general demitiu-se de imediato, terminando, deste modo, a sua notável carreira política.
 

No entanto, o sucessor eleito de De Gaulle, Georges Pompidou, não abandonou a ideia da regionalização e, em 1972, foram criados 22 institutos públicos regionais, com órgãos de que faziam parte eleitos locais. Em 1981, a vitória de François Mitterrand nas eleições presidenciais vinha acompanhada de uma promessa de estabelecer a descentralização e com ela a regionalização e assim sucedeu.
 

Não havia entraves constitucionais e havia uma maioria que defendia a descentralização e, dentro dela, a regionalização. Uma lei de 2 de março de 1982, não só aprofundou como nunca havia sucedido a descentralização territorial, como criou 22 regiões no território europeu da França que vieram substituir os institutos públicos regionais. Em 1986 realizaram-se as primeiras eleições regionais e, desde então, estas sucederam-se regularmente, com vitórias ora dos partidos de esquerda, ora de direita.
 

Na revisão constitucional de 2003, as regiões entraram pela primeira vez no texto da Constituição de 1958. Não deixa de ser irónico o facto de, em França, antes de haver regiões, a Constituição não lhes fazer referência (mantendo-se neutra) e depois de ocorrer a regionalização e de as regiões se consolidarem passarem a ter presença no texto constitucional, enquanto em Portugal as coisas ocorrem exatamente ao contrário.
 

Não há regiões, mas a Constituição de 1976 manda regionalizar, como se isso bastasse (e, como se tem visto, não basta). Mais valia, não dizer nada e deixar a instituição das regiões na vontade da Assembleia da República, sem prejuízo da realização de um referendo, se houvesse quem o exigisse e não já de forma obrigatória como sucede desde 1997. Nesta matéria, a Constituição portuguesa não tem ajudado, tem estorvado.
 

Ao que parece, o Governo quer aprovar, para Portugal, 5 institutos públicos regionais de regime especial, tal como fez a França. É um bom caminho para a regionalização e esperemos que assim seja compreendido. Não é a regionalização, pois esta só se fará quando tivermos regiões como autarquias locais, mas é um passo que está, aliás, de acordo com o princípio da desconcentração que a Constituição também defende e que não sofre contestação.
 


PS – BRAGAPARQUES – Não se recomenda o estacionamento subterrâneo no Campo da Vinha. É um parque demasiado grande e mal sinalizado. Só deve ser utilizado por quem o conhecer muito bem.

in Diário do Minho