quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Freguesias: casamentos forçados, divórcios difíceis

Em 2013, centenas de freguesias foram obrigadas por lei a "casar-se", dando-se a esse casamento o nome de "união". União a dois, união a três, a quatro e até mais, conforme a vontade do poligâmico legislador. Em certos casos, esses casamentos resultaram e, se assim sucedeu, nada temos a opor, pois há casamentos forçados que resultam!

Mas outros casamentos forçados existem que não resultam e os ”cônjuges” querem separar-se, pois têm condições legais para tal. Não é, no entanto, tarefa fácil, pois foi publicada uma lei, a Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho, que veio dificultar muito esses "divórcios" a que também podemos chamar "separações".

A lei dificulta a separação, mesmo que as “freguesias cônjuges” estejam de acordo. Obriga-as a formalidades de separação que não impôs para o casamento. Bem podem ter, as freguesias que pretendem separar-se, os requisitos substanciais que a lei-quadro exige para viverem com autonomia, pois mesmo assim têm de ter a bênção, sob a forma de aprovação, da assembleia de freguesia e da assembleia municipal onde estão integradas.

O pior sucede, no entanto, quando as freguesias casadas não se entenderem quanto à separação desejada por alguma ou algumas delas e, ainda mais, quando uma maior do que outra ou outras, porque possui maior número de membros na assembleia, não estiver de acordo e “não der o divórcio”, como se dizia antigamente. Bem podem a freguesia ou freguesias que se querem separar ter muita população, podem ter riqueza e autonomia, podem, em suma, ter os requisitos que a própria lei-quadro exige para poderem ser uma freguesia, umas vezes até por excesso, outras vezes quase no limite, que, mesmo assim, se a freguesia maior se opuser, o divórcio - a separação - não ocorre.

Precisamos, pois, de rever a Lei n.º 39/2021, de modo a que se tenha presente que a autonomia das autarquias locais e, assim, das freguesias é um direito constitucional, desde que a freguesia ou freguesias pretendentes reúnam os requisitos substanciais exigidos pela lei-quadro, devendo estes ser razoáveis. E em tudo isto quem manda, quem tem a última palavra, é a Assembleia da República, dotada de reserva absoluta de competência legislativa nesta matéria e não a assembleia da união de freguesias, nem a assembleia municipal de origem. Estas podem e devem ser atentamente consultadas, mas não podem ter o direito de veto como agora possuem.

A revisão da lei deve ser, desde já, iniciada e devidamente publicitada, discutida e acompanhada pelos cidadãos, com base numa proposta ou projecto de lei. De que estão à espera o Governo e os Deputados da Assembleia da República? O tempo urge!

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 20-10-2022)