sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Orçamento participativo ou participação no orçamento?

As assembleias municipais de todo o país já aprovaram ou estão a acabar de aprovar os orçamentos para 2023, muitas delas aprovando também o denominado orçamento participativo.

O orçamento participativo que estamos habituados a ver nos nossos municípios é a entrega de uma parcela do orçamento global do município aos cidadãos para que estes decidam a utilização que dela deve ser feita, mediante regras previamente estabelecidas. É de uma parcela pequena do orçamento que se trata.

A participação no orçamento tal como aqui a exporemos é diferente. É o debate público sobre o orçamento global do município, estimulando-se os munícipes a participar na elaboração do mesmo quer no que respeita às receitas, quer no que respeita às despesas. Devemos dizer, desde já, que a nossa preferência vai para a participação no orçamento.

Estamos convencidos de que à medida que a democracia local se for consolidando, vamos assistir a debates do maior interesse relativos à elaboração dos orçamentos municipais.

Vamos ter a oportunidade de ver as câmaras municipais informar os munícipes, nas suas páginas oficiais, sobre as receitas que esperam e como pretendem gastá-las. As câmaras farão a comparação com o ano ou anos anteriores e dirão o que se espera de novo no ano seguinte, salientando o que haverá de mais positivo e de mais negativo.

Os munícipes serão incentivados e terão a possibilidade de, uma vez informados, emitirem a sua opinião concordante ou discordante sobre as opções previstas e darem até sugestões. Haverá, assim debate público com intervenção dos cidadãos, dos movimentos cívicos e, claro, dos partidos, tudo devidamente divulgado pelos meios de comunicação social.

Assim, quando a câmara tomar a deliberação de aprovação da proposta de orçamento a enviar para a assembleia municipal já ela será mais conhecida e irá naturalmente mais fundamentada.

Mas não termina aqui o debate orçamental. A partir da entrega da proposta da câmara na assembleia haverá tempo para um debate ainda mais amplo antes da reunião da assembleia para a aprovar ou rejeitar e bem poderá a câmara, através de um procedimento legalmente adequado aceitar alterações que, sem pôr em causa o que considere essencial no orçamento, entenda que o podem melhorar.

Repare-se que isto não é difícil de fazer. Basta que a página oficial do município (a parte relativa à câmara e a parte relativa à assembleia) seja um livro aberto onde esta informação e debate conste. E nada impede no meio disto que haja uma verba proveniente do orçamento participativo que entretanto decorreu e que seja integrada para aplicar nos termos que resultaram desse orçamento.

De qualquer modo o mais importante será o orçamento participado.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 23-12-2022)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Revisão constitucional e regiões administrativa: o medo!

A Constituição deve ser um documento de consenso nacional.

Desde o referendo de 1997, todos sabemos que não há, no nosso país, consenso sobre a regionalização do continente (prevista nos artigos 236º, nº. 1, 255º a 262º). Trata-se de um tema que nos divide e, por isso, deverá ser retirado da Constituição. A sua manutenção faz perigar o respeito devido pela Lei Fundamental. Há quase 50 anos que está por cumprir nesta parte.

Assim sendo, porque não se retiram aqueles preceitos da Constituição, aproveitando a revisão constitucional em curso?

A nosso ver, tal sucede por uma inesperada aliança de dois grupos de cidadãos cuja opinião tem suporte nos partidos dos quais depende a revisão da Constituição (PS e PSD). O grupo dos adversários da criação de regiões sabe que a actual redacção da Constituição, principalmente desde 1997, com as dificuldades impostas ao processo, é a melhor forma de ela não se fazer. O grupo dos defensores da regionalização do continente, por sua vez, acredita, ingenuamente, que o facto de estar consagrada constitucionalmente facilita a criação de regiões.

Acaba, pois, por ser minoritária a posição daqueles que defendem que a regionalização deve ser retirada da Constituição, sem a proibir, tornando-a facultativa. Apesar de minoritária, essa posição é a mais constitucional e a mais democrática. Mais constitucional, porque retira da Constituição um tema que divide os portugueses. Mais democrática porque, ao retirar da lei fundamental tais preceitos, remetendo para a lei ordinária a criação de regiões administrativas, coloca adeptos e adversários em pé de igualdade.

Os adeptos tentarão aprovar no parlamento a criação de regiões administrativas. Os adversários lutarão contra tal aprovação. A realização de um referendo sobre a regionalização pode sempre ser proposta e acontecer. É a luta política normal num país democrático.

Mais: se forem criadas regiões, mais tarde, poderão ser extintas, pois não serão constitucionalmente obrigatórias.

Não há que ter medo da criação de autarquias regionais.

Se forem aprovadas e resultarem, mantêm-se, se não resultarem, extinguem-se!  

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 15-12-2022)

sábado, 10 de dezembro de 2022

Aperfeiçoar a democracia local: o parlamento municipal

A democracia local em Portugal vai a caminho de 50 anos de vigência ininterrupta (1976-2026), mas não tem sido fácil a vida do seu órgão central que é a assembleia municipal.

As assembleias municipais têm sido consideradas um órgão secundário que serve apenas de registo das deliberações tomadas pelas câmaras municipais, sob a forma de aprovação das respectivas propostas.

Os debates dos problemas municipais na assembleia deixam, frequentemente, muito a desejar por várias razões, uma das quais é a falta da informação adequada dos seus membros para emitir opinião fundamentada nas comissões e no plenário da assembleia.

Ultimamente o papel das assembleias municipais tem vindo a melhorar, nomeadamente por acção persistente da Associação Nacional das Assembleias Municipais (ANAM), recentemente criada.

Há, no entanto, ainda muito caminho a percorrer e para ter disso consciência vamos imaginar o que poderiam e deveriam ser as assembleias municipais, mudando alguma legislação e práticas.

Desde logo, a mesa da assembleia não deveria estar, por inteiro, nas mãos de um só partido ou coligação, mas deveria ter vogais de outras forças nela representadas. Acresce que o número de membros deveria ser alargado para cinco, pelo menos nos municípios com mais de 10.000 habitantes.

O presidente da assembleia municipal deveria ser visto como o presidente de todos os membros que dela fazem parte e não presidente de uma facção. Devia exigir-se, por outro lado, presidentes presentes e não presidentes cheios de outras tarefas políticas, muitas vezes ausentes do concelho.

Nas assembleias municipais, têm um papel de primeiro plano os diversos grupos municipais. É da qualidade dos seus membros e principalmente da qualidade das suas intervenções que a assembleia será ou não a expressão de uma verdadeira democracia local.

Importa ter presente a este propósito que os membros da assembleia municipal não são membros a tempo inteiro. Têm a sua vida, os seus afazeres, precisando, por isso, de apoio para fazerem boas intervenções. Isso podia resolver-se em parte, como sucede na vizinha Espanha , conferindo, por lei, aos grupos municipais o poder de contratar pessoal externo da sua confiança pelo período do mandato, para efeito de, sob as ordens do respectivo grupo, obter a informação necessária para os deputados fazerem intervenções de qualidade.

Estes são breves apontamentos do muito que pode e deve fazer-se para prestigiar o parlamento local que outra coisa não é a assembleia municipal, perante a qual a câmara municipal deve responder, podendo ser destituída através de moção de censura prevista na Constituição desde 1997 (artigo 239.º, n.º 3), mas ainda não regulada por lei da Assembleia da República, que assim demonstra a sua desconsideração pela democracia local.

Sobre a matéria deste artigo começa a haver interessante bibliografia que pode ser procurada numa boa biblioteca ou ainda em www. aedrel.org.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 10-12-2022)

domingo, 27 de novembro de 2022

As freguesias em debate na AJB

A Associação Jurídica de Braga (AJB) é uma centenária instituição privada de interesse público fundada em 1835 e restaurada em 1953, tendo desde então uma actividade muito meritória e ininterrupta. Tem atualmente como presidente honorário o Dr. Óscar Ferreira Gomes e como presidente da direcção o Dr. José António Estelita de Mendonça (www.ajb.pt) numa composição renovada que incluiria certamente um dos seus sócios mais activos e qualificados o Dr. João Lobo se não tivesse ocorrido o seu desaparecimento prematuro e inesperado.

É marca da AJB a realização de sessões de estudo sobre os mais diversos temas de Direito. A próxima decorrerá no dia 29 de novembro (3ª feira), ao fim da tarde, de forma presencial e via zoom, abordando uma lei muito atípica e que está na ordem do dia.

Trata-se da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que, nos termos do seu artigo 1.º, tem por objecto a criação, modificação e extinção de freguesias, mas que no seu texto apenas regula a criação de freguesias.

Acresce ainda que não é de verdadeira criação de freguesias que a lei cuida a curto prazo, pois, depois da reforma de 2013, a criação de novas freguesias não está na agenda, mas antes a reposição de freguesias extintas nessa data. Aliás, a lei dedica a essa reposição um artigo em especial o muito discutido artigo 25.º que tem um prazo de validade limitado (até 21-12-2022).

Não ficam por aqui as perplexidades que esta lei levanta, pois ao mesmo tempo que supre uma inconstitucionalidade, pois a Assembleia da República não regulava esta matéria, desde 2013, veio retirar poderes a este órgão de soberania contra a expressa vontade da Constituição (CRP).

Na verdade, a Assembleia da República (AR) tem competência exclusiva, sob a forma de reserva absoluta, para legislar, no continente, sobre criação extinção e modificação de freguesias e respectivo regime jurídico (artigo 164.º al.n) da CRP). Ora, a Lei n.º 39/2021 não respeita a Constituição e não permite, por exemplo, que a AR elabore uma proposta de criação de uma freguesia, cabendo à freguesia de origem dar o primeiro e indispensável passo para a criação ou reposição de uma freguesia.

Isto significa que a partir de agora uma freguesia só pode surgir se a freguesia de origem (seja ela uma união de freguesias ou uma freguesia que escapou à reforma) estiver de acordo. Assim, como é fácil de concluir, uma freguesia extinta em 2013 que queira ser reposta ou uma comunidade local que se queira tornar uma freguesia tem a vida muito dificultada, pois quem manda, em primeiro e decisivo lugar, não é a Assembleia da República, mas a freguesia ou freguesias de origem!

É deste e doutros assuntos conexos que tratará a sessão do dia 29, que terá em especial atenção a situação das freguesias do quadrilátero constituído pelos municípios de Barcelos, Braga, Guimarães e Famalicão, sendo possível desde já adiantar que não é de temer o renascimento de freguesias em catadupa não só porque não é desejável, mas também porque a lei não o permite.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 27-11-2022)

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

“Eu adoro a democracia, mas odeio os partidos”

O título “Eu adoro a democracia, mas odeio os partidos” é retirado de uma entrevista do professor Daniel Bessa dada ao semanário “Alto Minho”, em 12 de outubro de 2022, mas não o subscrevo.

Compreendo-o, mas não concebo uma democracia sem partidos. Partidos são correntes de opinião e os cidadãos não têm todos a mesma opinião. Uns alinham mais à esquerda e outros mais à direita. Não cabe aqui definir com suficiente detalhe o que é direita e esquerda, mas nós sabemos frequentemente identificar o pensamento político de esquerda mais ligado à igualdade e distribuição de bens e o pensamento político de direita, mais ligado a liberdade e à produção. Estas correntes de opinião quando não são extremistas têm ambas de comum o apreço pela liberdade e pela justiça social e Portugal é um bom exemplo disso.

Repare-se que correntes de opinião há mesmo em ditadura e quem é mais velho lembra-se que o regime de Salazar, que precisava para se manter de uma polícia política (PIDE) e de censurar os jornais, odiava os partidos e estes mesmo assim existiam, ainda que sem tal nome. Os que defendiam o regime agregavam-se à volta da “União Nacional” que era o partido de Salazar, sem o dizer (mais tarde mudou de nome com Marcello Caetano, mas a substância era a mesma) e os que a ele se opunham constituíam a oposição, lutando com as dificuldades próprias da falta de liberdade e com a perseguição que lhe era movida.

Em democracia, as correntes de opinião podem exprimir-se com liberdade e os partidos surgem naturalmente. Em Portugal temos, há quase cinquenta anos, dois grandes partidos que se tem alternado no poder o PS e o PSD um situado mais à esquerda outro mais à direita, mas que têm de comum o respeito pelos resultados eleitorais, a defesa da liberdade e a procura da justiça social. Eles congregam, em regra, mais de dois terços do voto dos portugueses (neste momento 4/5 dos deputados) e dizem-nos que os portugueses rejeitam extremos quer à esquerda, quer à direita.

No entanto, há um grande problema que é preciso enfrentar - e aqui aproximamo-nos de Daniel Bessa- que é o da sua organização e funcionamento. Os nossos dois principais partidos - e os restantes não são diferentes - estão longe de serem o que deveriam ser: exemplo de democracia.

Quando observamos o PS e o PSD, nomeadamente a nível local, ficamos desolados. Eles em regra não têm desde logo nos municípios uma página web simples e barata, mas bem organizada e atualizada, dizendo quem era quem, como estavam organizados e qual a sua actividade. Deveriam também, quando têm eleições internas ser exemplo de democracia e sabemos que frequentemente tal não sucede. Deveriam ainda preocupar-se com a abertura à sociedade e aumentar o número dos seus militantes e simpatizantes e não fecharem-se numa concha, mais parecendo ditaduras do que democracias.

Por isso, não odeio os partidos, mas critico-os duramente porque não são exemplo de democracia na sua organização e funcionamento, pondo em risco a prazo o regime democrático. 

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 11-11-2022)

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Freguesias Civis e Paróquias Religiosas

Está por fazer a história das paróquias religiosas e das freguesias civis ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, com prejuízo para o bom entendimento do que deve entender-se por uma freguesia hoje.

Importa dizer a este propósito que as freguesias que chegaram aos nossos dias tiveram origem nas paróquias religiosas e quase se pode falar de um acompanhamento estreito entre umas e outras. Esse acompanhamento resultou do facto de por ocasião da implantação do liberalismo em 1820 existirem cerca de 4.000 paróquias religiosas que passado um período muito conturbado de cerca de 15 anos foram integradas na organização administrativa portuguesa pelo Código Administrativo de Passos Manuel de 1836 com o nome de freguesias (artigo 1.º).

Na verdade, as freguesias não foram inventadas pelo Código Administrativo de 1836. Este aproveitou as paróquias religiosas que tinham também o nome de freguesias e seguindo uma lei de 1830 considerou que era bom que houvesse em cada uma das paróquias uma junta de natureza civil da confiança da respectiva população e assim por esta eleita.

É verdade que este Código previa no seu artigo 3.º que o número de freguesias e a sua extensão seria “oportunamente e convenientemente regulado em relação à comodidade dos povos”, mas apenas houve uma tentativa feita por uma lei de 1867 de reduzir, no continente, o número de freguesias para 1026, com o nome de paróquias civis, permanecendo na órbita religiosa 3801 paróquias eclesiásticas. Esta reforma, que reduzia também o número de municípios para 159 (eram 263 no continente) não foi avante por virtude da Revolta da Janeirinha.

Falhada esta reforma o que de mais relevante aconteceu para as freguesias foi a sua afirmação como elemento da nossa organização administrativa através do Código Administrativo de 1878 subscrito pelo minhoto Rodrigues Sampaio que não alterou significativamente o número de concelhos e paróquias , assim se mantendo uns e outros até à reforma de 2013, atravessando mesmo a passagem da Monarquia para a República, apesar da separação entre o Estado e a Igreja..

O que a República fez, em 1913, data da primeira lei que publicou sobre a organização da administração local foi, mantendo os concelhos e as paróquias, acrescentar apenas o adjectivo “civil” às paróquias, mantendo curiosamente o nome de “junta de paróquia” para o respectivo órgão, como era tradição. E só em 1916, por nova lei aboliu, o nome de “paróquia civil”, passando a adoptar o nome de freguesia, e passando a denominar “junta de freguesia” a “junta de paróquia”. Mudança de nomes, não de substância, pois, neste domínio.

O modelo nosso de freguesia tem sido sempre o da paróquia religiosa, nem muito grande, nem muito pequena, cumprindo tarefas sem grande complexidade técnica e muito próxima das populações.

A única reforma significativa das freguesias foi a de 2013 (Miguel Relvas), diminuindo o número de freguesias do continente de 4.050 para 2.882. Será que esta reforma de 2013 quis fazer uma reforma profunda das freguesias, deixando de ter como modelo as freguesias religiosas? A nosso ver, não. O que a reforma de 2013 pretendeu foi tornar mais fortes as freguesias, extinguindo as que não eram viáveis, mas de nenhum modo fazer das freguesias pequenos municípios quer pela extensão territorial, quer pela população, quer pelas competências. Por isso, tem sentido corrigir hoje os erros dessa reforma feita de modo muito apressado.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho, de 04-11-2022) 

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Freguesias: os erros de 2013 e de 2021

As freguesias, como entes de proximidade, os únicos entes territoriais de que se pode falar de vizinhança, fazem falta para uma boa administração, a nível local, do nosso país. Elas não devem ter uma dimensão tão grande que se possam confundir com municípios, nem tão pequena que as impeça de exercer devidamente as tarefas que lhes cabem.

Em 2013, através da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, cometeu-se um erro manifesto para reformar territorialmente as nossas freguesias. Aceitou-se que o número delas era excessivo e para corrigir o excesso optou-se por reduzir obrigatoriamente o número de freguesias em todos os municípios do país de acordo com um critério percentual, importando pouco que o município tivesse 50 ou 5 freguesias. O critério era tão absurdo que o legislador teve de parar a sua aplicação obrigatória quando chegou aos concelhos com 4 freguesias ou menos. Ignorou-se, então, a realidade do país que tinha, antes da reforma de 2013, mais de 50% dos seus municípios com 10 freguesias ou menos e 80% com 20 ou menos. Ora, tendo em conta que os nossos municípios têm, em média, uma área de cerca de 300 Km2 (a mediana é de 217 Km) para quê reduzir, desde logo, o número de freguesias nesses concelhos, salvo aquelas demasiado pequenas?

O critério deveria ter sido outro e poderia reduzir-se, em regra, o número de freguesias onde a população respectiva fosse diminuta, havendo, então, mais de 800 com menos de 300 habitantes. Poderia argumentar-se que isso não satisfaria a “troika” que exigia uma “significativa” redução do número de freguesias e municípios, mas todos sabemos que para a “troika” as freguesias não eram um problema financeiro e facilmente teria sido convencida disso e da especial utilidade delas, nomeadamente no interior do país, nas negociações que decorreram durante a intervenção financeira. Aliás, o número de municípios não sofreu qualquer alteração.

Em 2021, o erro da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que regula a criação de freguesias não está na definição do conceito de freguesia, pois os requisitos que nela se estabelecem para essa criação, que será, em regra, uma mera reposição de freguesias extintas em 2013, são, em geral, razoáveis. O erro está no procedimento de reposição. A lei prevê um procedimento geral de reposição e um procedimento “especial, simplificado e transitório” para casos que considera “erro manifesto e excepcional” (artigo 25.º) da reforma, mas que de simples e claro nada têm. É necessário estabelecer um procedimento único realmente simples e desburocratizado para aqueles casos em que a união foi, na verdade, um erro, ora porque se criaram megafreguesias, ora porque se extinguiram freguesias perfeitamente viáveis, desprezando a vontade destas.

A Lei n.º 39/2021 vai ser revista e cabe acompanhar essa revisão para termos uma lei que permita a formação de um mapa territorial das freguesias no continente e nas regiões autónomas de acordo com o que devem ser as freguesias, ou seja, autarquias locais inframunicipais próximas dos cidadãos.

(Artigo de opinião publicado no Expresso, de 21-10-2022)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Freguesias: casamentos forçados, divórcios difíceis

Em 2013, centenas de freguesias foram obrigadas por lei a "casar-se", dando-se a esse casamento o nome de "união". União a dois, união a três, a quatro e até mais, conforme a vontade do poligâmico legislador. Em certos casos, esses casamentos resultaram e, se assim sucedeu, nada temos a opor, pois há casamentos forçados que resultam!

Mas outros casamentos forçados existem que não resultam e os ”cônjuges” querem separar-se, pois têm condições legais para tal. Não é, no entanto, tarefa fácil, pois foi publicada uma lei, a Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho, que veio dificultar muito esses "divórcios" a que também podemos chamar "separações".

A lei dificulta a separação, mesmo que as “freguesias cônjuges” estejam de acordo. Obriga-as a formalidades de separação que não impôs para o casamento. Bem podem ter, as freguesias que pretendem separar-se, os requisitos substanciais que a lei-quadro exige para viverem com autonomia, pois mesmo assim têm de ter a bênção, sob a forma de aprovação, da assembleia de freguesia e da assembleia municipal onde estão integradas.

O pior sucede, no entanto, quando as freguesias casadas não se entenderem quanto à separação desejada por alguma ou algumas delas e, ainda mais, quando uma maior do que outra ou outras, porque possui maior número de membros na assembleia, não estiver de acordo e “não der o divórcio”, como se dizia antigamente. Bem podem a freguesia ou freguesias que se querem separar ter muita população, podem ter riqueza e autonomia, podem, em suma, ter os requisitos que a própria lei-quadro exige para poderem ser uma freguesia, umas vezes até por excesso, outras vezes quase no limite, que, mesmo assim, se a freguesia maior se opuser, o divórcio - a separação - não ocorre.

Precisamos, pois, de rever a Lei n.º 39/2021, de modo a que se tenha presente que a autonomia das autarquias locais e, assim, das freguesias é um direito constitucional, desde que a freguesia ou freguesias pretendentes reúnam os requisitos substanciais exigidos pela lei-quadro, devendo estes ser razoáveis. E em tudo isto quem manda, quem tem a última palavra, é a Assembleia da República, dotada de reserva absoluta de competência legislativa nesta matéria e não a assembleia da união de freguesias, nem a assembleia municipal de origem. Estas podem e devem ser atentamente consultadas, mas não podem ter o direito de veto como agora possuem.

A revisão da lei deve ser, desde já, iniciada e devidamente publicitada, discutida e acompanhada pelos cidadãos, com base numa proposta ou projecto de lei. De que estão à espera o Governo e os Deputados da Assembleia da República? O tempo urge!

(Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, de 20-10-2022)

Os direitos dos munícipes

O poder local democrático, ou melhor, a democracia local fará 50 anos em Portugal dentro de quatro anos (1976-2026). Tem poucos anos, pois, para cumprir plenamente o que anunciou e anuncia: o poder dos munícipes. Limitamo-nos aos munícipes, pois é nos municípios que está o centro da democracia local, sem prejuízo de poder ser adaptado, em grande medida, às freguesias o que de seguida escreveremos.

E que poder é esse? É o poder de governar o seu município. Sim, o poder de direta ou indiretamente, gerir os destinos do seu município. Diretamente através de referendos locais, indiretamente através de representantes eleitos.

É este último poder que custa mais a compreender por parte dos eleitos e eleitores. Estes julgam que uma vez exercido o poder de eleger os órgãos dos municípios de quatro em quatro anos passam à situação de súbditos até novas eleições. Mas não é assim. Eles apenas mandataram os eleitos, seus representantes para gerir o município em seu nome e com o dever nomeadamente de prestar contas perante eles, sempre que estes (munícipes) o exigirem.

Não, não se trata de pedir. Trata-se de exigir, pois é um dos direitos que têm e que não perderam. Pode ter-lhes sido sonegado, podem até ignorar que não têm esse direito, mas ele existe e pode e deve ser exercido.

E em que consiste? Consiste, desde logo, no direito de serem informados com detalhe sobre tudo o que diga respeito ao seu município e à forma como está a ser gerido pelos órgãos representativos.

Este direito dos munícipes é muito amplo. Não há assunto que queira saber sobre a gestão do seu município que os órgãos representativos possam recusar-se a informar.

Cingimo-nos a informações de interesse geral e não às de interesse particular, pois estas estão mais reguladas nomeadamente através de diplomas como o Código de Procedimento Administrativo ou a legislação do urbanismo.

Estamos a ter em consideração coisas tão simples como quanto gastou o município numa festa ou numa iniciativa que tomou; quanto gastou em publicidade; porque urbanizou ou não urbanizou uma determinada área do município; porque contratou ou não contratou determinadas pessoas para os serviços; porque fez ou não fez certo contrato e em que condições. Todas as deliberações dos eleitos podem e devem ser escrutinadas. Sobre todos esses assuntos o municípe tem o direito e perguntar e obter resposta clara e completa. E se não obtiver as informações desejadas? 

(Artigo de opinião publicado no Diário de Minho, de 20-10-2022)